Terapia celular de enfisema pulmonar com “pool” de células mononucleares da medula óssea, artigo

9 de setembro de 2009 - 07:33

“A Unesp, realizou em 11 de maio, em colaboração com o IMC/São José do Rio Preto, o primeiro tratamento de terapia com células-tronco para enfisema pulmonar avançado, o que revela o pioneirismo da instituição e ineditismo brasileiro (e talvez mundial) no emprego da técnica para tratamento de doença pulmonar grave”

Aldemir Bilaqui é pesquisador do Instituto de Moléstias Cardiovasculares (IMC), de São José Rio Preto, SP. João Tadeu Ribeiro Paes é pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Assis, SP. Artigo enviado pelos autores ao “JC e-mail”:

 

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) apresenta, associado à alta prevalência, um elevado custo econômico e social. Projeta-se que será a terceira causa de morte em 2020. Considerando-se que os tabagistas representam cerca de 24% da população brasileira e que, do total de fumantes, 15% irão desenvolver DPOC, pode-se estimar  uma prevalência de 6 a 7 milhões de pessoas acometidas por doença pulmonar obstrutiva no Brasil.

 

Dentro do espectro da DPOC, o enfisema pulmonar apresenta como principal característica a obstrução do fluxo aéreo, resultante da destruição das paredes alveolares e aumento dos espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal, sem fibrose pulmonar significativa.

 

As diferentes abordagens terapêuticas clínicas têm, inegavelmente, contribuído para o prolongamento e melhora na qualidade de vida dos portadores de enfisema. As terapias clínicas e as técnicas de reabilitação são medidas apenas paliativas e não se dispõe, até o presente, de terapias eficazes e/ou curativas. O tratamento cirúrgico, por sua vez, envolve procedimentos de alta complexidade e, no caso específico do transplante pulmonar, a escassez de doadores.

 

Paralelamente a estas questões, há uma vasta literatura sobre os resultados promissores e perspectivas terapêuticas com células-tronco adultas (CTA) e embrionárias (CTE) em diferentes patologias humanas e modelos animais.

 

No conjunto geral da literatura há vários relatos tendo o pulmão como objeto de estudo da terapia celular em modelo animais e relatos consistentes que evidenciam a presença de CT marcadas nos pulmões de animais ou pacientes submetidos ao transplante de medula óssea.

 

Esses e outros trabalhos, cujos resultados prévios evidenciam a migração de CT e/ou “pool” de células mononucleares da medula óssea para o pulmão, em diferentes situações clínicas e experimentais, forneceram o arcabouço conceitual, o referencial teórico que fundamenta a idéia do emprego de CT na regeneração do tecido pulmonar em modelos animais.

 

Em nosso laboratório da Unesp (Campus de Assis, SP) estão sendo desenvolvidos vários projetos de pesquisa com indução de enfisema em camundongos (fêmeas) por instilação nasal de elastase ou papaína e posterior inoculação de “pool” de células mononucleares da medula óssea.

 

Para rastreamento das células empregam-se como doadores camundongos machos transgênicos (com “back-ground” da linhagem C57BL/6) que expressam a proteína fluorescente verde (GFP). Esses animais foram cedidos pelo Dr. Masaru Okabe (Osaka University, Japan). Os resultados obtidos mostraram diferença estatística na regeneração do parênquima pulmonar nos animais com enfisema e tratados com “pool” de BMMC.

 

Esses resultados forneceram o embasamento para proposição de um protocolo (Protocolo de estudo unicêntrico em doença pulmonar obstrutiva crônica) que foi enviado, inicialmente, ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Moléstias Cardiovasculares de São José do Rio Preto.

 

A seguir, após aprovação por aquele comitê de ética, em abril de 2008, o projeto foi enviado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – Conep (Protocolo 14 764). Após várias sugestões dos relatores da Conep, algumas delas discutidas detalhadamente com membros da comissão, sobretudo àquelas vinculadas aos aspectos éticos do projeto e do termo de consentimento livre e esclarecido,  a Conep, autorizou, numa fase inicial, a realização do procedimento em quatro pacientes (Parecer 233/2009, emitido em 13 de abril de 2009).

 

O projeto de pesquisa, tendo como coordenadores e pesquisadores responsáveis os autores desta nota, foi resultado de uma importante parceria entre a Unesp (Campus de Assis) e o Instituto de Moléstias Cardiovasculares (IMC) de São José do Rio Preto (SP).

 

Em 11 de maio de 2009, foi realizado o primeiro procedimento de infusão de CTA em um paciente com DPOC grave. Este representa, segundo consta, o primeiro tratamento, no Brasil e talvez do mundo, de doença pulmonar grave com “pool” de células mononucleares da medula óssea.

 

O segundo procedimento, também realizado em São José do Rio Preto, ocorreu em 7 de julho e em 13 de agosto nossa equipe realizou o terceiro tratamento.

 

Os resultados parciais desta terapêutica inovadora em DPOC, serão divulgados após a realização do procedimento no quarto paciente, concluindo esta primeira fase do projeto, conforme as orientações da Conep. Pode-se adiantar, no entanto, que o procedimento é bastante seguro, com risco desprezível. Apenas um paciente, em estágio avançado do quadro de DPOC apresentou sintomas transitórios de desconforto após injeção de G-CSF (Granulocyte colony-stimulating factor). Um dos pacientes apresentou melhora clínica exuberante, mas não se pode descartar que esse seja apenas um efeito placebo.

 

À luz dessas informações, nota-se que, diferente do que foi divulgado na matéria “País faz teste inédito com células-tronco” (publicada em 10/8 pela “Folha de SP” e reproduzida no “JC e-mail”), a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) é a pioneira no uso de células-tronco para o tratamento da silicose (processo patológico que cursa com fibrose pulmonar) e não para doenças respiratórias em geral.

 

A Unesp realizou, como reportado acima, em 11 de maio deste ano, em colaboração com o IMC/São José do Rio Preto, SP, o primeiro tratamento de terapia com células-tronco para enfisema pulmonar avançado (grau IV), o que revela o pioneirismo da instituição e ineditismo brasileiro (e talvez mundial) no emprego da técnica para tratamento de doença pulmonar grave.

 

Fonte: Jornal da Ciência 3835, 26 de agosto de 2009.