Técnica gera vacina de gripe mais rápido

5 de fevereiro de 2010 - 05:49

Células de insetos substituíram ovos de galinha no cultivo de vírus H1N1; produção passou de seis meses para dois meses
Em vez de serem cultivadas em ovos de galinha, como acontece hoje, as vacinas de gripe do futuro poderão ser obtidas a partir de células de mariposas, num processo bem mais rápido do que o disponível atualmente. Pesquisadores austríacos demonstraram a viabilidade da ideia ao obter uma imunização contra o vírus da gripe suína com as células de insetos.
 
A equipe liderada por Florian Krammer, da Universidade de Recursos Naturais e Ciências da Vida Aplicadas de Viena, testou com sucesso a vacina obtida em camundongos, constatando que os roedores tinham o sistema imune (de defesa) de seu organismo ativado pelo produto.
 
O avanço é importante quando se leva em conta a metodologia quase arcaica que predomina na fabricação das vacinas contra os vírus da gripe mundo afora. O processo de cultivo em embriões de galinha é complicado e relativamente lento, levando a um ciclo de produção que dura cerca de seis meses.
 
Já o grupo austríaco, em artigo na revista científica “Biotechnology Journal”, afirma ser capaz de chegar ao mesmo resultado em cerca de dois meses. O tempo mais curto de produção poderia fazer grande diferença no número de vidas salvas durante uma pandemia (epidemia mundial) causada por um vírus muito agressivo.
 
Vírus contra vírus
 
Krammer e seus colegas se aproveitaram das propriedades de outro agente patogênico, do grupo dos baculovírus, para realizar seus experimentos.
 
Os baculovírus infectam invertebrados -até onde se sabe, não são capazes de fazer o mesmo com mamíferos como o homem. Como muitos outros vírus, eles “convencem” as células de seus hospedeiros a produzirem seus componentes.
 
O grupo austríaco, portanto, modificou geneticamente os baculovírus para que eles carregassem a receita genética de dois componentes essenciais dos vírus da gripe. Depois, usaram esses vírus alterados para infectar, em laboratório, células de duas espécies de mariposas, bem conhecidas dos cientistas porque, na fase de lagarta, elas são pragas da agricultura.
 
O truque deu certo: os vírus modificados fizeram com que as células produzissem os componentes da gripe, que não chegavam perto de ter as propriedades do vírus verdadeiro.
 
Mesmo assim, eles eram suficientes para alertar o sistema de defesa do organismo a ponto de ele produzir anticorpos contra o vírus H1N1 que andou aterrorizando o mundo no ano passado. Um desses componentes é a hemaglutinina, uma espécie de “pé-de-cabra” molecular que o vírus da gripe usa para se grudar à membrana das células e então invadi-las.
 
Os dados obtidos em camundongos de laboratório sugerem que a estratégia é promissora.
 
Antes, porém, é preciso garantir, por exemplo, que o baculovírus não contrabandeie nada de indesejável para as células dos vacinados. Um sinal de que isso é possível é que uma vacina contra o vírus HPV, causador do câncer de colo do útero, é fabricada utilizando a mesma abordagem e já está disponível no mercado da Europa.
 
Dobradinha com bactéria piora a doença
 
Apesar do aparente fim do pânico mundial em relação à gripe suína, a doença ainda inspira cuidados, já que se trata de um vírus pouco conhecido. Uma pesquisa na revista científica “PLoS One”, assinada por pesquisadores nos EUA e na Argentina, dá mais um passo para tentar explicar por que a doença é inofensiva para alguns e letal para outros. Segundo os pesquisadores, uma possibilidade é a ação conjunta do vírus H1N1 e da bactéria Streptococcus pneumoniae.
 
A presença dos dois vilões microscópicos no organismo dos mesmos pacientes pode estar por trás da violência inicial com que a doença atingiu Argentina, sugere a equipe liderada por Gustavo Palacios, da Universidade Columbia (EUA). Afinal, embora o primeiro caso da doença tenha sido registrado no país apenas em 17 de maio de 2009, dois meses depois já havia 3.056 casos e 137 mortes -um índice de mortalidade de 4,5%, considerado um bocado alto diante do comum para a gripe sazonal.
 
Palacios e companhia examinaram amostras de 199 casos argentinos, procurando sinais de outros micróbios no organismo dos pacientes. Verificaram que o Streptococcus pneumoniae estava presente em 56,4% dos casos graves, contra só 25% dos casos leves. E o efeito nocivo da bactéria parecia ser maior em pacientes que não faziam parte dos grupos de risco da doença
 
Cautela: uso mundial de imunização mostra boa segurança
 
Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), ainda é cedo demais para baixar a guarda em relação à gripe suína, embora as piores previsões associadas à doença não tenham se concretizado. Apesar da relativa lentidão da chegada das vacinas ao público, dezenas de milhões de unidades já tinham sido administradas até o fim de 2009. A vacina se mostrou bastante segura, com poucas dezenas de casos de reações adversas, mesma proporção da vacina sazonal.
(Folha de SP, 5/1)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3922, 05 de janeiro de 2010.