Sistema aproveita luz solar para gerar energia e água potável
11 de janeiro de 2010 - 07:33
Um projeto desenvolvido pela Claeff, empresa de Pesquisa e Desenvolvimento que atua em Pernambuco e no Ceará, pode ajudar a amenizar dois graves problemas ainda existentes nas regiões Norte e Nordeste do Brasil: a escassez de água e de energia elétrica. Criado com foco inicial em aplicações industriais, o equipamento batizado de Bio 24 consegue transformar o calor do sol em energia térmica, dessaliniza água do mar e salobra através de evaporação e condensação e, como opcional, pode captar a luz através de células fotovoltaicas e a convertê–la em eletricidade.
De acordo com Cláudio Truchlaeff, diretor da empresa, o projeto começou há cerca de dois anos e está na fase final. A expectativa é de que a primeira unidade esteja pronta para ser apresentada ao mercado em aproximadamente dois meses. A lista de aplicações, segundo ele, pode ser extensa: aquecimento de água para hotéis e clubes, geração de calor para caldeiras industriais, fornecimento de água potável em áreas não assistidas pela tubulação das empresas de saneamento e instalações da agroindústria.
“O calor gerado no sistema poderia ser usado, por exemplo, na extração de óleos vegetais, na pasteurização do leite (processo de purificação em que o produto passa por aquecimento e resfriamento para a eliminação de bactérias) e em caldeiras”, explica Claúdio. Atualmente, segundo ele, as indústrias usam queima de carvão ou gás natural e eletricidade para gerar esse calor. Os dois primeiros processos são poluentes. E o último representa uma despesa alta para as empresas.
O processo de uso do calor do sol para gerar energia e dessalinizar água não é novo e já existem opções disponíveis no mercado para executar o processo. O diferencial do Bio 24, no entanto, de acordo com Cláudio, é que as tecnologias atuais operam entre 55 e 70 graus Celsius. “Nós conseguimos trabalhar com uma faixa entre 110 a 120 graus. Isso resulta em mais evaporação e menos desperdício de área de insolação”.
Outra melhoria que o diretor da Claeff afirma ter obtido, no seu projeto, é em relação à geração de energia elétrica. Ele informa que as celulas fotovoltaicas têm um limite de temperatura no processo de conversão de luz em eletricidade. Quando o calor é excessivo, elas perdem rendimento. O Bio 24 foi desenvolvido para retirar o calor excedente e transformá–lo em energia. “Assim, ele resfria a célula fotovoltaica para que ela tenha condições de operar melhor”, diz.
Pensando nas condições adversas (tanto climáticas quanto econômicas) das regiões Norte e Nordeste, a Claeff ressalta que procurou desenvolver um produto que se adaptasse com facilidade às limitações dos usuários. O bombeamento necessário para a circulação da água pode usar a energia elétrica gerada no próprio equipamento. O sal, precipitado no fundo do recipiente, é retirado no estado sólido e evita o risco de contaminação do solo. A manutenção, garante a empresa, será simples e não precisará de mão–de–obra especializada. E a água dessalinizada, resultante do processo final, é potável.
Acesso a energia e água ainda é um problema no Ceará
Equipamentos como o Bio 24, desenvolvidos para a realidade das regiões mais carentes do Brasil, podem fazer a diferença quando são observados os indicadores de serviços essenciais como água e eletricidade. Mesmo com os investimentos feitos em infra–estrutura dos últimos anos, o Ceará ainda luta para combater uma defasagem histórica entre o crescimento populacional e a rede de distribuição dos serviços.
De acordo com um levantamento feito em 2008 pela Secretaria das Cidades, a tubulação de água tratada chega a pouco mais de 71% do território do Estado. Isso significa que quase um terço da população ainda não tem acesso ao serviço. Se for considerada apenas a zona rural, o problema é ainda maior: apenas 20% da área tem acesso à rede de água.
Vale ressaltar que a água, principalmente na região do semi–árido, até pode ser encontrada. Mas como explica um artigo de autoria dos pesquisadores Everaldo Porto, Miriam Amorim, Maria Dutra, Renata Paulino, Luiza Brito e Ana Matos, publicado na Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental (acessível no endereço www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttextpid=S1415–43662006000100015), ela tem alto índice de salinização, o que a torna imprópria para consumo. O texto informa que “as águas subterrâneas do semi–árido brasileiro constituem o manancial mais econômico para atendimento da população” e há um grande número de poços instalados. No entanto, completam os pesquisadores, “devido à peculiaridade geológica de rochas cristalinas, em geral as águas desses poços possuem sais dissolvidos pela intemperização das rochas, inviabilizando seu uso para consumo humano e até mesmo animal”.
Já em relação à energia elétrica, a cobertura é maior, principalmente por causa de investimentos como o programa Luz Para Todos, que tem buscado levar o serviço às zonas rurais. Segundo a Companhia Energética do Ceará (Coelce), em reunião com as distribuidoras de energia, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, espera que até o fim de 2010 o serviço chegue a todas as residências do país.
O problema, nesse caso, é a falta de condições, por parte da população de baixa renda, de pagar pelo serviço. A Coelce realiza cerca de 280 mil inspeções por ano nos clientes de baixa tensão. A média, segundo a empresa, é de uma irregularidade encontrada a cada cinco inspeções. E dos fiscalizados, 11% voltam a fazer ligações clandestinas.
Cláudio acredita que o seu equipamento poderia ajudar a amenizar esses dois problemas. A água usada poderia ser a salobra, encontrada no sertão. E para obter eletricidade, depois do investimento inicial, não seria preciso mais pagar mensalidade, já que a fonte é a luz solar – disponível praticamente o ano todo no Norte e no Nordeste. “Ele tem potencial para atender as pequenas comunidades das duas regiões, afirma.
Custo e fornecimento de peças ainda foram definidos
Apesar da primeira unidade do Bio 24 estar perto de chegar ao mercado, Cláudio explica que ainda não é possível definir o custo do aparelho, por causa de algumas dificuldades técnicas encontradas pela Claeff no Nordeste. O pesquisador ainda precisa importar alguns componentes das regiões Sul e Sudeste, porque não encontrou fornecedores habilitados no Ceará.
“A meta é oferecer um produto acessível para as empresas e para a população. Mas o orçamento atual ainda inclui o preço das peças importadas. Se elas foram feitas no Ceará, fica mais barato”, garante. Para conseguir essa redução de custo, ele irá construir, no município de Eusébio, na Região Metropolitana de Fortaleza, uma unidade da Claeff que irá produzir alguns itens. E pretende treinar fornecedores locais para que eles possam fabricar outros. Um terceiro conjunto de peças, no entanto, continuará vindo de fora.
O custo do sistema foi o principal motivo para – apesar do seu potencial de uso pela população – a Claeff ter estabelecido como foco inicial o fornecimento de calor para empresas. Especialmente as grandes, já que o equipamento foi projetado para trabalhar com várias unidades em série. Cláudio afirma que o investimento na aquisição pode ser alto, mas garante que, para as empresas, o gasto valerá a pena por causa da economia de eletricidade e de combustível para gerar calor – já que a fonte de energia passará a ser o sol.
Fonte: Agência FUNCAP, 23 de dezembro de 2009.