Satélite europeu flagra rotas da poluição de navios
28 de maio de 2009 - 04:18
Mapa mostra que caminho de cargueiros corresponde a pontos críticos de poluição. Pesquisadores da empresa CLS usaram imagens de radar feitas pelo satélite europeu de monitoramento do ambiente Envisat
Ricardo Bonalume Neto escreve para a “Folha de SP”:
Um mapa criado com imagens de satélite obtidas ao longo de sete anos flagrou um dos maiores poluidores ocultos do planeta: os milhares de navios que cruzam os oceanos, invisíveis da maioria das pessoas.
Dois pesquisadores da empresa francesa CLS usaram imagens de radar feitas pelo satélite europeu de monitoramento do ambiente Envisat e produziram uma imagem da densidade das rotas de navios em torno da Europa.
A concentração de navios correspondeu perfeitamente aos pontos críticos de poluição sobre o continente por óxidos de nitrogênio, em geral também associados a áreas de intensa industrialização. Esses compostos lançados no ar, quando combinados com água, podem produzir chuva ácida.
É a primeira vez que dados de detecção por satélite de navios por um período extenso são usados para criar uma visão global dos padrões de tráfego marítimo. O mapa foi feito por Vincent Kerbaol e Guillaume Hajduch. CLS é a sigla para Coleta Localização Satélites, nome da companhia subsidiária da agência espacial francesa CNES e do instituto de pesquisa oceanográfica Ifremer.
Eles usaram imagens feitas pelo instrumento conhecido como Asar, o radar de abertura sintética do satélite. Esse tipo de radar usa o movimento da sua plataforma -no caso, um satélite- para criar uma longa “antena” virtual e produzir imagens detalhadas. O Envisat é o maior satélite de sensoriamento remoto ambiental já lançado até agora.
Portos
A densidade do tráfego e a poluição foram particularmente elevadas em torno dos portos de maior atividade no norte do continente europeu, como Calais (França), Antuérpia (Bélgica), Roterdã (Holanda), Bremen e Hamburgo (Alemanha).
Ironicamente, os navios são o meio de transporte mais eficiente em termos de uso de energia e capacidade de carga. Mas, para serem ainda mais econômicos, costumam usar combustíveis de pior qualidade que são grandes emissores de poluentes, como óxidos de enxofre e nitrogênio. O combustível de um navio cargueiro pode ter até 2.000 vezes mais enxofre do que o óleo diesel usado em automóveis na Europa.
A poluição não afeta apenas peixes, pois a maior parte da emissão é feita perto da terra. Graças a isso, várias cidades portuárias sofrem mais com a poluição marítima do que com as emissões de seus próprios carros e indústrias.
Um relatório recentemente divulgado pela agência americana Noaa (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica) mostrou que os milhares de navios navegando em torno dos portos do sul da Flórida, muitos deles de cruzeiros, criam uma “preocupação de saúde significativa para as comunidades costeiras”.
Segundo Daniel Lack, pesquisador da Noaa e da Universidade do Colorado, os cerca de 51 mil navios mercantes hoje navegando emitem um volume de poluentes particulados equivalente a 300 milhões de automóveis (metade da frota de veículos de todo o planeta). Estatísticas sobre navios em operação são pouco precisas; contando embarcações menores, o número atingiria 90 mil.
Esses particulados são levíssimos, por isso podem permanecer por dias na atmosfera e serem levadas a dezenas de quilômetros de onde foram emitidas. E elas podem causar desde uma irritação nos olhos e no nariz até agravar problemas respiratórios, como asma.
Combustível precisa melhorar até 2020, diz ONU
O problema da poluição por navios no mundo começou a ser resolvido pela Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês), agência da ONU (Organização das Nações Unidas), com a definição no ano passado de padrões para melhoria do combustível naval. Até 2020, o nível de enxofre no combustível de navios deverá ser reduzido em 90%.
Os EUA deram um passo adiante em março passado, quando sua Agência de Proteção Ambiental (EPA, em inglês) propôs à organização marítima a criação de uma zona-tampão de 200 milhas náuticas em torno das costas do país na qual, começando em 2015, os navios teriam que usar combustíveis limpos.
Os navios teriam que usar combustíveis com um conteúdo de enxofre de no máximo 1.000 partes por milhão. Com isso, a emissão de particulado e óxidos de enxofre cairia em mais de 80%. E a proposta inclui também que novos navios teriam que cortar as emissões de óxidos de nitrogênio em 80%. Hoje há combustíveis navais com até 27.000 partes por milhão de enxofre. Já o diesel usado por carros nos EUA tem só 15 partes por milhão.
James Corbett, estudioso deste assunto na Universidade de Delaware, afirma que é fundamental regular esse tipo de transporte. “A poluição por navios afeta a saúde de comunidades em regiões costeiras e interiores em todo o mundo”, disse o pesquisador.
Os navios também contribuem para o aquecimento global. Um relatório da ONU de 2008 mostrou que emissões de CO2 do setor são de 1,1 bilhão de toneladas -o que corresponde a 4,5% de todas as emissões provocadas pelas atividades humanas. Os navios emitem mais desse gás-estufa que a aviação civil -projeções indicam que a emissão anual dos aviões fica em torno dos 650 milhões de toneladas de CO2.
China
Os países comunistas estavam entre os maiores poluidores industriais do planeta, por isso não é surpresa que a China comunista lidere hoje a poluição marítima. A China fabrica navios econômicos que usam o mais barato e mais poluente combustível. Existem mais de 160 estaleiros em atividade na China, segundo dados coletados pelo Instituto de Economia e Logística da Navegação, de Bremen. No começo de 2008, estaleiros asiáticos tinham encomendas de 7.870 navios -cerca de 90% da produção mundial.
(Folha de SP, 25/5)
Fonte: Jornal da Ciência 3768, 25 de maio de 2009.