Rio no centro do Universo
4 de agosto de 2009 - 07:41
Cidade sedia na semana que vem o maior evento da astronomia. Milhares vão discutir a busca por água e vida no espaço
Apartir da próxima segunda-feira o Rio de Janeiro será o centro do Universo. Até o dia 14, a cidade sediará o maior evento da astronomia, a Assembleia Geral da União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês), que ocorre a cada três anos. Em sua última edição, em Praga, a reunião de astrônomos ganhou as manchetes de todo o mundo ao anunciar que Plutão fora rebaixado e não era mais um planeta.
O encontro, o primeiro da IAU realizado no Brasil, e no Ano Internacional da Astronomia, reunirá mais de dois mil especialistas — 300 deles brasileiros — de 72 diferentes países.
A coordenadora do comitê organizador nacional, a astrofísica Daniela Lazzaro, do Observatório Nacional, diz que este ano o destaque será a busca por água — leia-se possibilidade de vida — em outros mundos. Ou seja, também não faltará polêmica.
A procura de água em outros planetas é o tema da palestra de Jim F. Bell, do Departamento de Astronomia da Universidade de Cornell, nos EUA, e também de um simpósio sobre os “corpos gelados no Sistema Solar”. A existência — passada e presente — de água em Marte será, certamente, um dos principais pontos da palestra, uma vez que há muitos dados disponíveis sobre o planeta vermelho.
— Volta e meia alguém me pergunta, citando novas reportagens: como assim descobriram água em Marte de novo? — conta Daniela Lazzaro. — Que teve água em Marte a gente sabe. Agora temos que saber se existe água hoje, se está na superfície ou a alguma profundidade. Parte do futuro da exploração espacial está ligado a essa resposta: se tivermos que fazer uma base em Marte, para ficarmos por um período, é importante que tenhamos água por lá.
Grandes temas do Cosmo em debate
Por esse motivo também se busca água na Lua. Os planos de enviar uma missão tripulada a Marte dentro de 20 anos envolvem a construção de uma base no satélite, que serviria como uma espécie de trampolim para se chegar ao planeta vermelho. Sem água, tudo fica bem mais complicado. Mas não se trata apenas de aspectos práticos da exploração espacial. Água é sinônimo de possibilidade de vida, o primeiro indício que se busca na procura de vida extraterrestre.
— A questão da água é fundamental e sempre tem a ver com a questão da vida, presente e passada, um assunto muito debatido — afirmou Daniela. — Uma das maiores aspirações do homem é saber se somos os únicos no Sistema Solar. E a água é o elo que precisamos, é o primeiro ingrediente. É a forma de saber se pode ter havido ou se pode haver vida.
— O objetivo da Assembléia Geral é congregar o maior numero de pesquisadores de todas as áreas da astronomia para discutir os temas mais atuais nas diversas especialidades — resumiu a coordenadora nacional do evento, lembrando que a reunião é composta, basicamente, de simpósios, debates e palestras de convidados especiais, caso de Jim Bell.
Apoio a países em desenvolvimento
Outra palestra especial é a do italiano Franco Pacini, da Universidade de Florença, que falará sobre “O legado de Galileu”, neste ano em que se celebram os 400 anos do uso do telescópio para fins astronômicos por Galileu Galilei.
— Além das palestras e debates, vamos tomar decisões sobre nomenclatura, constantes e definições a serem utilizadas pelos pesquisadores — contou a cientista, garantindo que nenhuma dessas votações será tão polêmica quanto a de três anos atrás que destituiu Plutão do posto de nono planeta do Sistema Solar. — São todas resoluções mais técnicas.
Entre elas, um plano estratégico para a difusão da astronomia em países em desenvolvimento e uma outra referente ao incentivo a uma maior participação da mulher.
(Roberta Jansen)
Um olhar mais apurado do Sol
Os astrônomos do Observatório Nacional acabam de ganhar um presente dos céus. Trata-se de um heliômetro, um telescópio específico para a observação do Sol.
Quando entrar em funcionamento, a partir da semana que vem, o novo instrumento, o mais moderno do mundo para esse tipo de trabalho, vai ajudar os integrantes do Girasol (Grupo de Instrumentação e Referência em Astronomia Solar) a aprimorar seus estudos da variação do diâmetro do Sol.
Trata-se de um ramo cada vez mais requisitado na astronomia, que nos ajuda a entender mais sobre a evolução do Universo e também a compreender alguns dos mecanismos do aquecimento global.
— Com esse novo instrumento, que foi totalmente construído no Brasil, vamos poder aumentar incrivelmente a nossa capacidade de observação do Sol e medir as variações do seu diâmetro — explica o astrônomo Victor D´ Avila, projetista do heliômetro. — Para se ter uma noção, com os instrumentos antigos, fazíamos em torno de 1.800 imagens por dia. Agora, vamos poder fazer oito mil imagens por hora. É uma diferença brutal.
Por ser uma referência no assunto — já que possui uma das séries contínuas de observação solar mais antigas do mundo, na marca dos 32 anos — o Observatório Nacional é uma das instituições organizadoras do simpósio “Variação Solar e Estrelar — Impacto na Terra e nos Planetas”, que vai acontecer, entre os dias 3 e 7 de agosto, durante a Assembléia Geral da IAU, que vai ser realizada no Rio.
O Observatório também é co-fundador da Rede Internacional de Monitoramento do Diâmetro Solar, formada por pesquisadores da França, Espanha, Turquia e Argélia.
— Quando iniciamos essa série de observações, a medida da variação do diâmetro do Sol não era uma questão em pauta dentro dos estudos da astronomia — explica a astrônoma Jucira Penna, uma remanescente, ao lado de Victor, da equipe que iniciou esse estudo. — Hoje, esse é um dos temas que mais avança na astronomia.
Diferentemente de outros grupos de pesquisa, que estudam o Sol a partir de outros parâmetros, como observações em radiofrequências, o foco, literal, das pesquisas do Girasol é a fotosfera, o diâmetro que pode ser visto a olho nu. Como lembra Victor, é na fotosfera que ocorrem as variações de brilho, conhecidas como manchas solares.
— A medida da fotosfera está relacionada com a forma como o Sol gira em torno de si mesmo. Sabemos como isso ocorre na superfície. Não sabemos, porém, como o Sol gira em torno de si mesmo no seu interior e como essa rotação afeta a sua forma. Nosso estudo vai ajudar a privilegiar algumas teorias sobre isso e excluir outras.
Medidas ajudam a entender Universo
O estudo da variação do diâmetro do Sol — estimado em 1.392.000 quilômetros, cerca de 109 vezes o diâmetro da Terra — permite também que se conheça mais sobre um tema quente: as mudanças climáticas.
— Se o clima da Terra mudar, e ele está mudando, precisamos monitorar o Sol com precisão para confirmarmos que não foi por causa dele que isso ocorreu — diz o astrônomo. — Além disso, estudar o diâmetro do Sol nos permite conhecer mais sobre outras estrelas e, assim, sabermos mais sobre a evolução do Universo.
De acordo com o astrônomo, o Rio de Janeiro, com quase 180 dias de céu aberto por ano, é uma área privilegiada para esse tipo de observação, que é realizada na sede do ON, em São Cristóvão.
— Além de estar próximo à linha do Equador, o Rio fica perto do litoral e isso faz com que a atmosfera fique mais homogênea, facilitando a observação. Mesmo assim, estamos trabalhando com a UERJ e a Marinha para colocarmos um outro heliômetro em Trindade ou Abrolhos, onde a observação seria ainda mais apurada.
A entrada em atividade do heliômetro, que foi construído com a ajuda da Finep, não significa que o astrolábio — instrumento que fazia as medições anteriormente — será desativado.
— O astrolábio nos ajudou nesses 32 anos de observação — conta Jucira. — Ele vai continuar em atividade para podermos comparar possíveis diferenças entre os resultados e fazer um ajuste entre as séries.
(Carlos Albuquerque)
(O Globo, 31/7)
Fonte: Jornal da Ciência 3817, 31 de julho de 2009.