Ratos com lesões espinhais têm conexões regeneradas
17 de agosto de 2010 - 07:05
Pesquisador da Universidade de Harvard bloqueia enzima que impede a recuperação das ligações nervosas. Como a técnica atinge elemento-chave do crescimento celular, preocupação é evitar o surgimento de tumores
Aparecido Jefferson Silva, 31 anos, trabalhava como vendedor até 31 de janeiro de 2007, quando um acidente automobilístico mudou sua vida. “Devido a um capotamento, sofri uma lesão incompleta na vértebra T8 e perdi parte dos movimentos dos membros inferiores. Desde então, venho tentando recuperá-los”, contou ao Correio, por telefone, de Japurá (PR).
“Já me desloquei até Brasília e fiquei 60 dias em reabilitação no Hospital Sarah Kubitschek”, acrescentou. Sua obstinação levou-o a se inscrever em um grupo de pesquisas com células-tronco na Universidade de São Paulo (USP). Aposentado pelo INSS, ele sonha em ter uma rotina normal. “Sei que vou sair dessa, graças a Deus e à medicina, que hoje está começando os tratamentos com células-tronco”, disse.
Mônica Carlos de Araújo Bonfim, 48 anos, também sofreu um desastre em 1980 e teve lesões nas vértebras C6 e C7. Ficou paraplégica e, com a fisioterapia, recuperou os movimentos dos braços. Moradora de Recife, ela experimenta um misto de alegria e frustração. Alegria por saber que a medicina evolui rapidamente e pode oferecer novos tratamentos aos lesionados. Frustração por ter praticamente a certeza de que não será beneficiada pelos avanços.
“Eu tenho acompanhado todas as pesquisas pelo site de relacionamentos Orkut, mas não tenho esperança. Creio que a medicina será promissora para pessoas que sofreram lesão mais recente, de dois anos para cá. Mas não no meu caso”, admite a professora, aposentada depois do acidente.
No Centro de Neurobiologia Kirby do Hospital da Criança – na Universidade de Harvard -, o chinês Zhigang He descobriu uma forma de devolver a esperança a pessoas como Aparecido e Mônica. Em um estudo revolucionário, o cientista conseguiu regenerar as conexões nervosas em ratos que tiveram a medula espinhal lesionada.
O segredo está na enzima fosfatase, homóloga à tensina (PTEN), uma proteína responsável pelo controle da sinalização molecular chamada mTOR, um regulador-chave do crescimento celular. “Nós conseguimos regenerar as conexões nervosas por meio da remoção da PTEN, que funciona como um freio para a recuperação dos axônios, dentro dos neurônios”, explicou Zhigang, em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail. De acordo com ele, a PTEN atua impedindo o crescimento celular. “Ao eliminar a PTEN, percebemos que os neurônios de adultos poderiam reconquistar a habilidade regenerativa”, acrescentou.
Questionado sobre o nível de sucesso obtido até o momento, Zhigang explicou que sua equipe observou uma “regeneração anatômica robusta” em axônios lesionados do trato corticoespinhal. “Com o auxílio dos colegas Binhai Zheng, da Universidade da Califórnia-San Diego, e Oswald Steward, da Universidade da Califórnia-Irvine, presenciamos essa recuperação em diferentes modelos de ferimentos”, disse.
Zhigang e seu colaboradores concluíram que a atividade da PTEN é baixa durante os primeiros estágios do desenvolvimento, permitindo a proliferação das células. No entanto, ao fim do crescimento, a PTEN é ativada. “Ela inibe a mTOR e impede qualquer habilidade de regeneração”, disse o chinês.
“Sem precedentes”
O estudo de Zhigang obteve os primeiros resultados positivos em 2008, quando percebeu que o bloqueio da enzima possibilitou o restabelecimento de conexões do olho para o cérebro, após danos ao nervo ótico de ratos. Os resultados da pesquisa atual e mais abrangente foram publicados no site da revista científica Nature Neuroscience.
“Conseguimos demonstrar a viabilidade da promoção da regeneração do trato corticoespinhal. Ainda estamos testando a recuperação funcional desses axônios em regeneração. Acreditamos que esse é um importante passo rumo ao desenvolvimento de tratamentos para pacientes com lesão na medula espinhal”, prevê.
Preferindo não arriscar uma data concreta para essa técnica se tornar uma realidade nos hospitais do mundo inteiro, Zhigang opta por descrevê-la como um “avanço encorajador”. “Nós acreditamos que a extensão da regeneração do trato corticoespinhal é sem precedentes. De qualquer forma, não sabemos quanto tempo demorará até se transformar em aplicação clínica”, admitiu. De acordo com o principal autor da pesquisa, ainda há muitas pendências para se resolver.
“O mais importante é determinar em que medida a regeneração do axônio pode ajudar a recuperação funcional”, observou. Por enquanto, uma preocupação dos cientistas é o fato de que a PETN funciona como supressor natural de tumores. Há o temor de que, eliminando ou desativando a enzima, o organismo fique vulnerável ao câncer. “Nós precisamos desenvolver uma estratégia para evitar o risco tumorgênico”, concluiu Zhigang.
(Rodrigo Craveiro)
(Correio Braziliense, 10/8)
Fonte: Jornal da Ciência 4071, 10 de agosto de 2010.