Plantas para resistir ao calor

29 de agosto de 2008 - 11:50

Pesquisa trabalha no desenvolvimento de variedades que produzam bem sob stress hídrico e alta temperatura

Tânia Rabello e Fernanda Yoneya escrevem para “O Estado de SP”:

A pesquisa brasileira já vem trabalhando no desenvolvimento de plantas preparadas para suportar altas temperaturas e falta de água, num cenário de aquecimento global. E já há resultados. Desenvolvidas no Iapar, algumas variedades de feijão reverteram o quadro de perdas provocadas por excesso de calor na época da floração no Paraná e, mais do que isso, tornaram viável o cultivo de feijão preto (variedade de climas amenos) do Sul ao Nordeste do País.

Segundo explica a pesquisadora do Iapar Vania Moda, o feijão preto IPR uirapuru, lançado em 2001, tolera mais o calor do que outras variedades deste grupo. “Os feijões antes plantados perdiam entre 50% e 60% das flores por causa do calor. A uirapuru perde apenas 20%”, orgulha-se Vânia.

E já há variedades superiores à uirapuru, como a IPR tiziu e a IPR gralha, lançadas em 2007, mais produtivas e com índice de perda de flores de 15%. No grupo carioca, a IPR tangará será lançada este ano, com boa resistência ao calor.

“Quando desenvolvemos essas variedades, já foi pensando no aquecimento global”, diz Vânia. “A cada ano observávamos perdas maiores nas lavouras por causa do calor”, diz. “Isso em plantio irrigado, cultivado no período correto e com todos os cuidados de manejo.”

No café

O foco das pesquisas com o café tem mudado. Se antes o desenvolvimento de variedades se voltava para materiais resistentes a doenças ou com maior potencial produtivo, hoje, diante do aumento global da temperatura, as atenções se voltam para o estudo de plantas mais tolerantes ao calor, diz o pesquisador Luiz Carlos Fazuoli, do Instituto Agronômico (IAC-Apta), “já que o café é tido como a cultura mais afetada pela elevação de temperatura”.

Há, no País, 4,3 bilhões de cafeeiros da variedade arábica – de climas mais amenos – e 1,9 bilhão de cafeeiros da variedade robusta – de clima mais quente e úmido. Assim, o programa de melhoramento genético do IAC possui trabalhos em que características do robusta são transferidas para o arábica, como resistência a doenças e pragas, vigor, produção, rusticidade, melhor sistema radicular e, sobretudo, tolerância a altas temperaturas. “Várias progênies têm tolerado temperaturas mais altas e poderão ser usadas em novos plantios, substituindo o arábica em regiões mais quentes”, diz Fazuoli.

A pesquisas prosseguem para o material ser também menos exigente em água. “Trabalhos recentes têm mostrado que o arábica catuaí vai muito bem em regiões baixas e quentes, com temperaturas médias acima de 23 graus, mas exige irrigação”, diz, destacando que outras espécies, como o Coffea dewevrei, C. congensis e C. racemosa também estão sendo usadas, visando à seleção de variedades mais tolerantes ao calor e à seca. “O ideal é chegar a um material resistente a altas temperaturas e que não necessite de tanta água, o que deve levar, pelo menos, cinco anos.”

Um pasto com lavoura e árvores

Integração entre pasto, grãos e floresta é boa saída para reter carbono no solo e ajudar a reduzir o efeito estufa

Diante do aquecimento global, agricultores podem, desde já, adotar práticas sustentáveis, que eliminem a emissão de gases do efeito estufa e que visem à conservação do solo. Plantio direto, curvas de nível contra erosão, integração lavoura-pecuária e sistema agrossilvipastoril – além da eliminação das queimadas e do desmatamento – são algumas práticas cuja tecnologia está dominada.

“Se recuperarmos os 50 milhões de hectares de pastagens degradadas com o sistema de integração lavoura-pecuária ou o agrossilvipastoril, que inclui o plantio de árvores, seríamos os maiores conservadores de carbono no solo do mundo”, diz o pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão João Kluthcouski. “Um pasto degradado não tem troca com o ambiente, não conserva carbono e suporta menos de 1 animal/hectare, e uma boa pastagem produz alimento, madeira e emprego.”

Grandes centros

Kluthcouski destaca outra questão: “Essas pastagens estão próximas aos grandes centros consumidores; então, seria desnecessário desmatar a Amazônia, no Norte do País, para plantar soja e criar gado.”

O sistema agrossilvipastoril combina lavoura, árvores e pastagem em uma mesma área. “A introdução estratégica de árvores garante melhor fluxo dos serviços ambientais, como a manutenção da umidade do ar, estabilização de temperatura e redução da velocidade de brisas e ventos”, diz pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, Odo Primavesi. Em termos de seqüestro de carbono, Primavesi explica que “as árvores acumulam de 240 a 640 toneladas de carbono por hectare.”

Portanto, o acúmulo de carbono no solo pode ocorrer com reflorestamentos, pastagens e lavouras bem manejadas e rotação de culturas. “Pode-se reduzir as emissões evitando queimadas e não revolvendo o solo, especialmente quando se transforma uma área de pastagem degradada em lavoura”, diz. “O eucalipto, por exemplo, acumula 16 toneladas de matéria seca de madeira/hectare/ano. Em seis anos, haveria o acúmulo de 96 toneladas/hectare de matéria seca ou 192 toneladas de CO2/hectare no solo.”

Ele lembra, porém, que há limite de acúmulo de matéria seca no solo e acima dele. “Nos trópicos o calor acelera a degradação da matéria orgânica e a liberação de CO2. A saída seria controlar a temperatura com sombra ou manutenção permanente da cobertura do solo.”
(O Estado de SP, 27/8)

Fonte: Jornal da Ciência 3585, 27 de agosto de 2008