O que pode estar por trás das críticas à energia nuclear?, artigo de Horst Monken Fernandes

13 de novembro de 2008 - 10:29

“Por trás das constantes criticas que são feitas à energia nuclear há, além de preocupações legítimas, uma grande disputa por mercado, além de uma busca por subsídios e incentivos fiscais”

Horst Monken Fernandes é pesquisador licenciado da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Artigo enviado ao “JC e-mail”:

Sistematicamente aparecem na imprensa críticas à energia nuclear. Na maioria das vezes, não são formuladas de forma isenta e nem são suficientemente embasadas. Num grande número de casos constituem-se em análises tendenciosas. Todavia, devido ao seu volume e constância permite-se suspeitar a que propósitos tais análises servem. Senão vejamos.

Alguns críticos citam estatísticas e acenam com números extraídos de diferentes fontes, uma delas sendo a organização não-governamental Greenpeace. Curioso é que, de forma intencional ou por absoluta falta de conhecimento – não sei o que é mais grave – números que são produzidos por entidades respeitadas internacionalmente e por cientistas e técnicos que de fato são especialistas nos assuntos tratados são absolutamente ignorados.

Examinemos o exemplo do acidente nuclear em Chernobyl. Numa matéria intitulada “A política nuclear do governo é um equívoco”, um consultor em inovação da revista na qual o artigo foi publicado cita o Greenpeace ao afirmar que “52 cientistas morreram na hora do acidente e que entre 93 e 100 mil casos de câncer fatal foram resultado de Chernobyl”.

No entanto, a OMS (Organização Mundial da Saúde) publica no site http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2005/pr38/en/index1.html que a estimativa (e ressalto aqui que se está falando de estimativas) total de mortes atribuídas a Chernobyl, a serem verificadas no curso da vida dos trabalhadores que atuaram na resposta à situação de emergência e residentes locais nas áreas mais contaminadas, seria da ordem de 4.000.

Neste total estariam incluídas as 50 já verificadas até a data da publicação dos resultados dos estudos (40 trabalhadores que morreram devido a exposições agudas à radiação, quando atuavam na resposta ao acidente e nove crianças que morreram de câncer de tiróide). As demais, 3950 referem-se às mortes por câncer radio-induzido e leucemia a serem eventualmente verificadas dentre 200.000 trabalhadores na resposta à emergência (entre 1986 e 1987); 116.000 pessoas evacuadas e 270.000 residentes nas áreas mais contaminadas totalizando um universo de 600.000 pessoas.

Para propósito de esclarecimento da estimativa de que 4.000 mortes poderão ser observadas durante o ciclo de vida destas 600.000 pessoas, deve-se levar em conta que cerca de um quarto deste total, i.e. 150.000 pessoas, irá morrer por câncer não associado com Chernobyl (causas naturais) e, por isso, o aumento radio-induzido estimado para o número de pessoas mortas por câncer (de cerca de 3%) poderá ser difícil de ser observado.

Em função da divergência entre estimativas provenientes da comunidade científica e dados divulgados por outras organizações, o Diretor Geral da AIEA apoiou no passado a realização de um fórum sobre Chernobyl que envolveu organizações da família da ONU e representantes dos três países diretamente afetados (Rússia, Bielo-Rússia e Ucrânia). Este fórum teve como objetivo procurar consenso, entre outras coisas, a respeito dos reais efeitos à saúde de pessoas afetadas pelo acidente.

As conclusões do fórum (que podem ser vistas em http://www-pub.iaea.org/MTCD/publications/PDF/Pub1239_web.pdf) foram sintetizadas pelo Dr Burton Bennett – seu presidente – da seguinte maneira: “Este foi um acidente sério com conseqüências importantes à saúde das pessoas, principalmente para os trabalhadores expostos nos primeiros momentos do acidente, pois estes receberam doses muito altas de radiação, e para aqueles que receberam doses importantes na tireóide. Entretanto nos não encontramos evidências de efeitos negativos para o restante da população nas áreas circunvizinhas, assim como não encontramos evidências de que a contaminação produzida irá ocasionar ameaças substanciais à saúde humana…”. Claro que uma única morte que seja associada a um acidente é em si uma tragédia, mas por que propalarem-se números que não encontram respaldo em estudos sérios?

Um dos resultados da tática de se maximizar inescrupulosamente os efeitos indesejáveis das radiações ionizantes é a radiofobia. Em Chernobyl, um número importante de abortos desnecessários foi uma das conseqüências do pânico que se criou na população daquela região.

No Brasil, há tempos atrás, a população da cidade de Monte Alegre, no Pará, sofreu com denúncias infundadas em relação a um suposto aumento na incidência de casos de câncer em função da utilização de rochas, com concentrações anômalas de urânio, na construção de casas.

Qualquer doença de pele passou a ser atribuída à radioatividade. Produtos agrícolas produzidos na cidade passaram a ser rejeitados pelas cidades vizinhas. Qualquer caso de câncer passava automaticamente a ser atribuído à radioatividade. Até mesmo uma congregação de freiras estava prestes a se mudar de cidade com medo da radioatividade.

Estudos e medições feitos na região, pelo Instituto de Radioproteção e Dosimetria – centro de referencia em Radioproteção no Brasil – por si só não eram capazes de reverter a percepção que se criou na população.

No final, o dinheiro gasto para se trazer a normalidade de volta à população teria sido muito melhor aplicado em ações de maior benefício concreto para a população. O mesmo se repete agora com o relatório que foi produzido pelo Greenpeace em relação à cidade de Caetité, na Bahia, região na qual se desenvolvem operações de lavra e beneficiamento de urânio por parte das Indústrias Nucleares do Brasil.

Infelizmente, o estresse, a ansiedade e o sofrimento pelos quais tais pessoas são obrigadas a passar não pesa na consciência de alguns na hora em que passam a divulgar textos alarmistas.

No aspecto econômico, vários críticos sustentam que a energia nuclear é cara demais para ser desenvolvida. Exortam que preferência deve ser dada a formas renováveis de geração, sendo que a geração eólica aparece com destaque nestas análises. Mas vejamos alguns números.

É certo que, de acordo com várias estimativas, o custo do killowatt-hora gerado por uma central de energia nuclear gira em torno de 14 centavos de dólar contra os 7 centavos associados, por exemplo, à geração eólica. Importante notar, todavia, que em termos de geração eólica o total instalado até o presente em nível mundial gira em torno de 100.000 megawatts, o que permite suprir a necessidade de uso residencial de 150 milhões de pessoas. Há que se registrar que na Alemanha – que ocupa o primeiro lugar mundial no ranking da geração eólica, com 22.200 megawatts, o que corresponde a algo em torno de 7% da geração do país – o crescimento da geração eólica está diminuindo devido à saturação de sítios adequados onshore (ou seja, não é em qualquer área que se pode instalar fazendas eólicas) e também devido à queda de subsídios governamentais.

Por outro lado, o recente e excepcional crescimento da geração eólica nos EUA é atribuído aos incentivossubsídios introduzidos pelo Energy Policy Act de 2005.

Segundos dados da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) em nível mundial todas as formas renováveis de geração de energia elétrica (energia solar, eólica, geotérmica e das marés) respondem por 1,05% do total gerado, sendo que a energia nuclear responde por 14,19%. Ainda que levemos em conta que o crescimento anual da geração eólica – atualmente em torno de 27% – seja mantido, a capacidade total de geração em 2020 seria de 2 milhões de megawatts, o que em termos atuais responderia por algo inferior a 20% do total gerado.

Nesse esforço inclui-se a instalação de fazendas eólicas offshore, que por sua vez demandam incentivos de diferentes naturezas para fazer frente aos altos custos associados. No entanto, estima-se que o aumento da demanda por energia elétrica seja entre 20 – 35% até 2020.

Em outras palavras, o aumento na geração eólica, numa estimativa bem otimista, seria absorvido ou mesmo excedido pelo aumento da demanda. O raciocínio não é muito diferente para as demais formas renováveis de geração.

Os números acima permitem concluir que, ainda que um grande esforço para ampliar o uso de fontes renováveis de energia na geração de eletricidade seja feito, estas fontes, no curto e médio prazos, não serão capazes de sozinhas suprir a demanda crescente por energia em nível mundial.

Considerando-se os impactos ambientais associados à geração de energia por combustíveis fósseis (emissão de gases causadores do efeito estufa), os impactos ambientais associados à geração de energia hidroelétrica (como inundação de grandes áreas) e a pressão causada pela produção de alguns biocombustíveis no preço dos alimentos, ver-se-á que as diferentes formas de geração terão que ser combinadas de forma racional para garantir a melhoria da qualidade de vida da população mundial. E nesse cenário parece ser mesmo um equívoco deixar a geração nuclear fora das opções a serem consideradas e não o inverso como sugerido por alguns.

Finalmente, ainda que se reconheça que a análise aqui feita é superficial, ela parece indicar por trás das constantes criticas que são feitas à energia nuclear há, além de preocupações legítimas, que por sinal precisam sim ser debatidas, uma grande disputa por mercado, além de uma busca por subsídios e incentivos fiscais.

Fonte: Jornal da Ciência 3638, 10 de novembro de 2008.