O primeiro NeuroLatam, artigo de Alysson Muotri
17 de setembro de 2008 - 09:55
Foram cerca de 1.700 painéis ou resumos apresentados e diversos encontros satélites. O assunto era o cérebro
Alysson Muotri é biólogo e pesquisador do Instituto Salk para Estudos Biológicos, em San Diego. Artigo publicado no portal “G1”:
Foi um evento grandioso que aconteceu alguns dias atrás, de 1 a 4 de setembro. O primeiro encontro de neurociência da América Latina, Caribe e Península Ibérica reuniu mais de 2.400 pesquisadores inscritos vindos de 16 países, na cidade de Búzios, no Rio de Janeiro. Foram cerca de 1.700 painéis ou resumos apresentados e diversos encontros satélites. O assunto era o cérebro.
O estudo do cérebro é uma das áreas mais fascinantes da biologia. Sairão dessa pesquisa resultados relevantes para nossa saúde mental e respostas para uma série de questões filosóficas que acompanham a humanidade desde que o homem adquiriu consciência de que não é imortal.
Ao meu ver, o que torna esse congresso único e consagrado foi a visão de futuro dos organizadores. A visão de juntar diversas culturas, tão diferentes e tão próximas, para refletir sobre um assunto em comum. Dessa mistura toda, novas idéias surgiram, colaborações começaram e uma atmosfera de união latino-americana embalava os corredores. Os frutos do evento serão colhidos no futuro e, lá na frente, uma nova geração vai olhar admirada para o que aconteceu em Búzios.
Como em toda proposta inovadora, os primeiros passos foram difíceis. Alguns disseram que esse tipo de reunião não causaria impacto, uma vez que os grandes centros de descobrimento científico continuam sendo os EUA, Japão e Europa.
Outros disseram que seria impossível reunir essa quantidade toda de pesquisadores ou mesmo que não haveria interesse suficiente para justificar o investimento. O resultado deve ter surpreendido até os mais pessimistas. As inscrições para o congresso acabaram muito antes de o evento começar e mais de 700 pessoas tiveram que ficar de fora, na lista de espera. Isso é novidade em qualquer lugar do mundo.
Não sei se esse interesse todo aconteceu porque o assunto “cérebro” é um assunto polêmico e atraente. Tenho certeza de que isso contribuiu, mas não justifica tanta empolgação. O que me parece plausível é a originalidade da proposta.
Primeiro, as sessões conseguiram abranger assuntos tão especializados quanto a formação molecular das sinapses e outros mais abrangentes como a relação da neurociência com cinema. Segundo, a união de países em desenvolvimento – trocar experiências com pesquisadores de países desenvolvidos, acostumados com as últimas tecnologias e reagentes, não necessariamente te ajuda. É preciso aquela empatia e suporte de quem enfrenta as mesmas dificuldades.
Por último, o local do evento. Escolher a cidade de Búzios teve contras e a favor. Acho que o saldo foi positivo, afinal não é em todo congresso que você pode aproveitar as vantagens de uma bela cidade praiana.
E devo mencionar que a originalidade da proposta teve origens brasileiras. Já faz um certo tempo que a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC), liderada pelo carismático Stevens Rehen, vem introduzindo diversas novidades na neurociência brasileira, como a briga pela importação de materiais científicos, novos cursos, premiações e a “Medalha Neurociência Brasil”, que busca reconhecer e divulgar o trabalho de grandes neurocientistas do país.
Felizmente, a nova diretoria continua com o mesmo pique e promete ampliar ainda mais a participação da sociedade na vida dos sócios: mais divulgação, mais eventos, maior integração etc. Sorte nossa.
Além de catapultar essa ação inovadora do Brasil, o encontro encerrou com o compromisso de criar uma Federação de Neurociências, envolvendo representantes de 11 países – muitos deles sem sequer uma sociedade de neurociências organizada. Essa Federação, inspirada na comunidade européia e asiática, leva em consideração as características dos países em desenvolvimento da América Latina.
Tenho certeza de que esse tipo de organização é saudável cientificamente, favorecendo a discussão de problemas comuns, como a criação de estruturas de apoio técnico latino-americano para geração de animais transgênicos, anticorpos, enzimas etc. Tudo isso faz uma bela diferença quando comparamos a velocidade na geração de pesquisa inovadora entre EUA e os países latinos. Vamos torcer para que a empolgação continue.
(Portal G1, 12/9)
Fonte: Jornal da Ciência 3597, 12 de setembro de 2008