O ABC paulista relembra a Manchester de 1910, artigo de Ricardo Ferreira

8 de outubro de 2008 - 11:57

“Assim como Manchester podia ser sede de importante universidade inglesa, nada impede que a Universidade do ABC venha a produzir altos conhecimentos nos nossos dias”

Ricardo Ferreira é professor do Depto. de Química Fundamental da Universidade Federal de Pernambuco. Artigo enviado pelo autor para o “JC e-mail”:

Muitos leitores do JC e-mail devem estar lembrados das críticas que foram lançadas contra a iniciativa do Governo Lula de criar uma universidade pública nos subúrbios industriais de Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul, lugares que seriam impróprios, segundo esses críticos, para a formação de nossos futuros graduados.

Mas sabemos que a Revolução Industrial do século XIX teve como um dos seus pólos Manchester, no Norte da Inglaterra. E em Manchester foi fundada uma Universidade, que ficou famosa, entre outras coisas, porque foi em um dos seus laboratórios que, em 1911, Ernest Rutherford, o grande físico, descobriu que os átomos dos elementos químicos são constituídos de um pequeno núcleo massivo, de carga elétrica positiva, ao redor do qual giram os elétrons, partículas de pequena massa e carga elétrica negativa.

Nos seus famosos estudos, Ernest Rutherford (depois Lord Rutherford of Nelson) usava as radiações de elementos fortemente radioativos, como o Polônio, para estudar como as partículas alfas desses rádio-elementos eram desviadas ao atravessar finas placas metálicas colocadas nas suas trajetórias.

A sala onde Rutherford trabalhou até 1917 faz parte, há alguns anos, do Depto. de Psicologia da Universidade de Manchester, e aconteceu que, nos últimos 20 anos, três pessoas, entre funcionários e professores deste Depto., faleceram vítimas de vários tipos de câncer.

Quando, na semana passada, o sr. Arthur Reader, que trabalhava no mesmo edifício, tornou-se a quarta vítima fatal de câncer, as autoridades universitárias resolveram fazer uma investigação cuidadosa das condições atuais do velho edifício, atendendo assim às demandas das famílias das pessoas que se tornaram vítimas fatais de neoplasias.

Os especialistas consultados acham pouco provável que os rádio-elementos usados por Rutherford até 1917 – e manipulados por seus sucessores até 1947, quando o prédio foi convertido no Departamento de Psicologia – venham provocando as neoplasias registradas. Mas, por via das dúvidas, e como Rutherford usava um gás radioativo – o neônio – concordaram com uma análise detalhada deste problema.

Assim como Manchester podia ser sede de importante Universidade inglesa, nada impede que a Universidade do ABC venha a produzir altos conhecimentos nos nossos dias. Mas todos nós confiamos que, se algum professor de Física no ABC usar rádio-elementos, todas as precauções serão tomadas.

Fonte: Jornal da Ciência 3609, 30 de setembro de 2008