Nuvem assassina

24 de novembro de 2008 - 12:46

Feita de poluentes e com 3km de espessura, ela cobre a Ásia e mata ao ano 340 mil, diz ONU

Algumas das piores previsões sobre os efeitos da poluição se concretizaram na Ásia sob a forma de uma nuvem gigante. Composta de fuligem e outros poluentes, ela é marrom, se estende da Península Arábica à costa do Pacífico e tem cerca de três quilômetros de espessura.

Um relatório das Nações Unidas apresentado ontem alertou que a nuvem mudou o clima local, causa perdas à agricultura e escurece o céu de muitas cidades. A ONU identificou como pontos críticos Pequim, Bangcoc, Cairo, Nova Délhi, Seul e Teerã.

Os autores do estudo estimam que 340 mil pessoas morrem prematuramente a cada ano somente em Índia e China devido a doenças respiratórias, cardiovasculares e cânceres associados à péssima qualidade do ar.

A nuvem é um coquetel de fuligem, substâncias químicas tóxicas, ozônio e outros gases expelidos por indústrias, usinas a carvão, um número crescente de veículos e na queima de florestas e campos agrícolas. O uso intensivo de fornos à lenha em muitos países asiáticos também contribui para a formação da nuvem.

Paradoxalmente, observou a ONU, a nuvem tem enfraquecido os efeitos do aquecimento global na região. Ela contém partículas que refletem os raios solares, diminuindo a capacidade da superfície em reter calor.

O que parece uma boa notícia, na verdade, é ruim, pois somente disfarça os efeitos do aquecimento global em todo o planeta, destacou o diretor do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, Achim Steiner. Se a nuvem se dispersar, a temperatura global poderia subir 2 graus Celsius.

Nuvens como essa se formam todos os anos também sobre o sul da África, Amazônia, Europa e América do Norte. Porém, elas são maiores e mais intensas sobre Ásia devido à combinação de poluição com condições ambientais locais, como desertos e montanhas.

Nem mesmo o teto do mundo escapou da sujeira. Amostras de neve coletadas numa estação próxima ao Everest, o ponto culminante do planeta, têm o mesmo nível de poluentes do que o registrado em grandes cidades, como Pequim.

Dias de sombra e escuridão

De acordo com o relatório, a quantidade de luz solar que alcança a superfície foi reduzida a um quarto nas áreas mais afetadas. O relatório identificou numerosos pontos escuros, muitos deles na China, país com economia baseada em usinas de carvão.

A nuvem causa um impacto complexo. Ela esfria áreas próximas à superfície da Terra e aquece o ar em grande altitude. O resultado parece ser o encurtamento da estação das monções na Índia e enchentes mais severas no sul da China. A água potável também sofre.

A fuligem se deposita na geleiras dos Himalaias, que alimentam rios que fornecem água para bilhões de pessoas.

O impacto sobre a agricultura ainda está em estudo. Mas a tendência é de redução das colheitas, pois há menos luz para a fotossíntese.

Partículas ácidas e tóxicas também afetam as plantas. E, além disso, a mudança de padrões climáticos e da oferta de chuva tem efeitos negativos sobre o crescimento das plantas.

O relatório diz que se a poluição fosse reduzida, a nuvem poderia desaparecer em semanas. Ela é gerada não só pela poluição originada na Ásia, mas também a de outras partes do mundo, espalhada pela circulação atmosférica, a cerca de 3 quilômetros de altitude.
(O Globo, 14/11)

Fonte: Jornal da Ciência 3642, 14 de novembro de 2008.