Novos computadores buscam reproduzir funções do cérebro
4 de dezembro de 2008 - 11:49
Cientistas acreditam que podem moldar uma nova geração de máquinas tendo como base as interações químicas microscópicas e os impulsos elétricos característicos do cérebro
Steve Hamm escreve para a “BusinessWeek”:
Quando Lloyd Watts era adolescente na cidade de Kingston, em Ontário, no Canadá, na década de 70, ele tinha o dom de ouvir músicas de Billy Joel e Elton John e depois tocá-las de ouvido no piano da família. Mas ele imaginava: não seria fantástico ter uma máquina que pudesse “ouvir” as músicas e transcrevê-las imediatamente em notação musical?
Watts não chegou a construir a engenhoca, mas seus esforços de décadas para desenvolver uma máquina do tipo finalmente resultaram em uma das primeiras tecnologias comerciais baseadas na biologia do cérebro.
Microchips projetados pela Audience, a companhia fundada por Watts no Vale do Silício, na Califórnia, estão agora sendo usados por fabricantes de telefones celulares da Ásia para melhorar dramaticamente a qualidade das conversas em lugares barulhentos.
Um caminhão que passar ao lado de alguém que estiver usando um aparelho com a tecnologia não será ouvido do outro lado da linha. O chip usa como modelo as funções do ouvido interno e parte do córtex cerebral. “Nós fizemos um trabalho de engenharia invertida dessa parte do cérebro”, explica Watts.
O neurocientista, de 47 anos de idade, está na vanguarda do que alguns acreditam que será uma mudança fundamental na maneira como certos tipos de computadores são projetados.
Os equipamentos de hoje são basicamente ábacos muito rápidos. Eles são bons em matemática, mas não conseguem processar informações complexas em tempo real, como os humanos fazem. Agora, graças aos avanços na nossa compreensão da biologia, cientistas acreditam que podem moldar uma nova geração de computadores tendo como base a maneira como o cérebro funciona – as interações químicas microscópicas e impulsos elétricos que transformam sensações em conhecimento e conhecimento em decisões e ações.
Trata-se de um avanço em relação às idéias antigas sobre inteligência artificial, e um punhado de companhias estão com iniciativas nesse sentido, entre elas a gigante IBM e a Numenta, uma companhia iniciante do Vale do Silício.
Cientistas alertam que as mudanças não virão rapidamente. “O sistema nervoso é muito sofisticado, mas eu elogio o que eles estão fazendo. Em algum momento teremos algo”, diz Carver Mead, pioneiro da área de microeletrônica e professor emérito do California Institute of Technology.
Num dos esforços mais ambiciosos nesse caminho, a IBM havia agendado para a semana passada o anúncio de uma concessão de US$ 4,9 milhões da Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas de Defesa, do Pentágono, para pesquisar a criação de computadores inteligentes.
O dinheiro deve bancar a primeira fase de um esforço de vários anos para a criação de sistemas de computador capazes de simular as atividades do cérebro e ao mesmo tempo rivalizar com o tamanho compacto deste.
O governo americano diz que vai usar os resultados para projetar sistemas de monitoramento de campos de batalha, que detectarão ameaças às tropas, servindo de alerta.
Dharmandra Modha, gerente de computação cognitiva do Centro de Pesquisas de Almaden da IBM em San Jose, na Califórnia, prevê uma grande variedade de aplicações, de monitoramento de segurança à detecção de mudanças climáticas preocupantes ou previsão de tempestades perigosas.
“Estamos criando um planeta coberto de sensores”, diz Modha. “Precisamos de um dispositivo parecido com o cérebro para agregar, integrar e dar sentido a todas essas informações – e responder quando for apropriado.”
O cérebro por trás da Numenta, Jeff Hawkins, tem um longo histórico de invenções, incluindo o primeiro computador de mão bem-sucedido, o PalmPilot, e o primeiro telefone inteligente a fazer sucesso, o Handspring Treo. Mas há mais de duas décadas sua verdadeira paixão tem sido descobrir como o córtex cerebral funciona e aplicar esse conhecimento aos computadores.
Hawkins espera produzir um conjunto de ferramentas de software destinado a programadores no ano que vem, que permitirá a eles imitar a maneira como os seres humanos processam as imagens.
A utilização dessa tecnologia poderá incluir diagnósticos por imagens, monitoramento de segurança e pesquisa na internet. “Estamos lançando as bases da segunda onda da computação”, diz Hawkins. (Tradução de Mário Zamarian)
(Valor Econômico, 25/11)
Fonte: Jornal da Ciência 3648, 25 de novembro de 2008.