No Recife, um parque que virou referência
8 de outubro de 2008 - 11:40
Porto Digital já está entre os quatro melhores do mundo
Ediane Tiago escreve para o Valor Econômico
A articulação entre academia, governo e iniciativa privada marcou a criação do Porto Digital em Recife. Em uma área de 100 hectares, cabeados com 8 quilômetros de fibra ótica, o parque tecnológico abriga atualmente 117 empresas e 2 incubadoras. Juntas elas são responsáveis pela geração de 4 mil empregos e contribuem com 3,6 % do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado do Pernambuco, o que significa receita anual média na casa dos R$ 800 milhões.
De quebra, o projeto, que obteve investimento inicial de R$ 33 milhões, revitalizou o histórico bairro do Recife e criou um ambiente propício ao desenvolvimento de softwares e à riqueza intelectual.
O objetivo inicial era criar empregos qualificados, produzir conhecimento local e exportar serviços com valor agregado para o mundo. Com oito anos de existência, o Porto Digital foi muito além de sua proposta e hoje está listado na publicação Learning By Sharing, editada pela International Association of Science Parks (IASP), entre os quatro parques tecnológicos que podem ser considerados referência mundial.
Com o projeto pernambucano, o Brasil divide o topo do ranking com o Reino Unido (parque de Manchester), Índia (parque de Andhra Pradesh) e Espanha (parque de Andaluzia). “Somos o maior parque tecnológico do país e um exemplo de como uma política pública bem gerida pode dar certo”, afirma Aurélio Molina, diretor de inovação e competitividade empresarial da instituição.
A composição do chamado Arranjo Produtivo Local, ou APL, de Recife revela o poder de inclusão do parque tecnológico. Das 117 empresas instaladas, 49% são microempresas, 40% empresas de pequeno porte e 11% podem ser classificadas como médias e grandes.
Entre as gigantes da tecnologia que embarcaram no projeto estão IBM, Motorola, Samsung, Nokia, Dell e Microsoft que, junto com as empresas do pólo, pesquisam e desenvolvem soluções. “Vendemos 70% da produção de softwares para outros estados e já temos sete empresas que exportam seus produtos”, afirma Molina.
Ele admite que o volume exportado ainda é pequeno para o potencial do parque. “Este é um grande desafio. Nossa meta é aumentar as vendas para o mercado internacional”, garante. Para isso, além de incrementar a exportação de empresas que já estão no parque, o Porto Digital ampliou a sua capacidade para atrair empreendimentos e dispõe de 18 mil metros quadrados para a instalação de novas empresas. “Nossa meta é gerar 10% do PIB pernambucano. Temos de fomentar mais negócios”, avisa o diretor.
Para quem quer se instalar, além do ambiente propício aos negócios na área de tecnologia, o Porto oferece incentivo fiscal. A prefeitura municipal concedeu, a partir de 2007, um desconto no Imposto Sobre Serviços (ISS), que foi reduzido de 5% para 2% na área do parque. Além disso, Molina destaca a farta mão-de-obra especializada que circula todos os dias no bairro.
No Porto Digital, 88% dos profissionais possuem nível universitário e 46% deles têm até 25 anos. Com salários médios na faixa de R$ 2.500, a região atrai os alunos das melhores universidades do Nordeste. “Pernambuco tem uma tradição no desenvolvimento de softwares e nossas bases estão em importantes centros como o da Universidade Federal”, comenta.
Outra atratividade está nas linhas de financiamento disponíveis. O Porto Digital dá apoio técnico às empresas em editais que podem trazer investimentos para seus negócios.
Um exemplo é o projeto primeira empresa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Por meio dele, a entidade coloca à disposição R$ 120 mil, não reembolsáveis, para quem pretende iniciar o negócio. Em uma segunda etapa, a Finep emprestará às empresas que forem selecionadas no programa mais R$ 120 mil a juros zero, em 100 parcelas iguais.
O dinheiro está disponível para 1,8 mil empresas brasileiras e a equipe do porto quer atrair novos negócios com essa linha. Para isso, fez uma parceria com a incubadora de empresa do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), entidade selecionada pela financiadora para operar o programa no Estado. “Quando o assunto é inovação, há capital disponível, o que falta é conhecimento para apresentar um bom plano de negócios”, ensina.
Para incrementar o orçamento de empresas já existentes, a entidade também orienta nos casos de pedidos de financiamento para o BNDES, que possui um fundo de investimentos de capital semente, destinado a empresas emergentes inovadoras. Por meio dele, é possível conseguir até R$ 1,5 milhão.
Quem pretende financiar projetos específicos de pesquisa, desenvolvimento e inovação conta ainda com o programa de investimento conduzido pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado do Pernambuco (Facepe), que investe, por meio de subvenção econômica, em projetos que vão de R$ 100 mil a R$ 400 mil.
Uma empresa vinculada ao parque tecnológico ganha destaque, um status especial entre as demais empresas embarcadas. Ela mostra que pertence a um centro de excelência em desenvolvimento de produtos. “O nome do Porto Digital correu o mundo e a simples apresentação do selo da entidade dá uma valorização aos negócios”, afirma Molina. Ele lembra que as empresas também contam com apoio da equipe de marketing e de comunicação social para divulgar seus produtos. “Somos uma comunidade.”
O fomento aos negócios conta com o apoio do Sebrae e de agências como o Softex Recife, cuja finalidade é facilitar as exportações de software brasileiro, com apoio técnico em articulações. No pólo também se concentram instituições como o Banco do Nordeste e o escritório de promoção de investimentos e tecnologia do Recife (ITPO Recife). “Estamos todos no mesmo ambiente. Marcar uma reunião é muito fácil e o clima de cooperação facilita os negócios”, finaliza Molina.
Com cinco anos, incubadora da PUC gaúcha tem 18 empresas associadas
O Porto Digital é um exemplo bem-sucedido de um movimento que teve início no Brasil na década de 80. A criação dos parques está ligada à evolução das incubadoras de empresas no Brasil, que englobam projetos nascidos dentro das universidades e preparam empresas para o mercado. Os dados mais atualizados mostram que há dois anos o Brasil tinha 359 incubadoras e 52 parques tecnológicos.
Um exemplo desse tipo de fomentador de negócios é a Incubadora Multissetorial de Base Tecnológica Raiar, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), criada em 2003 para dar apoio a empreendimentos originados dos projetos de pesquisa da PUC, e às empresas de menor porte instaladas no Parque da instituição, o Tecnopuc.
“Os empreendedores em geral conhecem a tecnologia, mas não estão preparados para gerir um negócio. Por isso, o trabalho da incubadora é importante”, alerta o professor Vicente Zanella, coordenador da Raiar.
A incubadora, que tem 18 empresas associadas, oferece espaços físicos de uso compartilhado, recepção e secretaria, espaço de convivência, sala de reuniões, vigilância e infra-estrutura geral, orientação empresarial, suporte em planos de negócio, apoio em comunicação e design, o desenvolvimento da identidade visual institucional de produtos e acesso aos laboratórios de pesquisa da universidade e à biblioteca central.
“Outro atrativo é o Tecnopuc, parque tecnológico com 5,4 hectares e que congrega parceiros como Dell, HP, Microsoft e Siemens”, lembra o professor.
A incubação foi a saída para KW Informática, especializada em softwares para supermercados. A empresa, fundada em 2000, cresceu de forma desordenada, conseguiu alguns clientes, mas não tinha a menor idéia de quanto faturava.
“Estávamos apenas preocupados em desenvolver o sistema”, afirma Alexandre Carvalho de Leonço, sócio da KW. Em 2006, com sete funcionários, o executivo decidiu dar um passo atrás e iniciar as suas atividades dentro da incubadora. “Tínhamos um bom produto, mas estávamos perdidos”.
A partir daí, os sócios encararam treinamentos sobre gestão e definiram um plano de negócios para incrementar a solução. Hoje, já graduada, a KW se instalou no Tecnopuc, fora da incubadora. Atende clientes no Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia, entre eles o Wal-Mart. Fora do Brasil, a KW atende o Grupo Sonae, em Portugal.
Hoje a empresa ampliou a equipe para 14 pessoas e estima faturamento anual na ordem de R$ 1,8 milhão. “Com uma gestão mais eficiente, melhoramos nossas capacidades de desenvolvimento de produtos e de atendimento aos clientes”, comemora Leonço.
Outro exemplo é o da Sthima, empresa com dez profissionais que faz parte da incubadora desde 2006. Com uma solução para a área de telecomunicações – focada em centrais telefônicas – a empresa viu na incubadora uma chance de montar um negócio com boas chances no mercado.
Depois que se instalaram na Raiar, a Damovo do Brasil, empresa global de serviços de comunicação corporativa, se interessou pelo produto dos jovens empreendedores. “Se não estivéssemos ligados à incubadora, não conseguiríamos o contrato”, afirma Lucas Schenk Michaelsen, sócio-diretor da empresa.
(Valor Econômico, 29/9)
Fonte: Jornal da Ciência 3608, 29 de setembro de 2008