No Brasil, biotecnologia abre leque de oportunidades

3 de novembro de 2008 - 11:43

Maioria dos negócios fatura até R$ 1 milhão por ano e tem no máximonove funcionários, mostra estudo

Ediane Tiago escreve para o “Valor Econômico”:

De tão incipiente, o mercado de biotecnologia no Brasil ainda é difícil de ser medido. Mas de uma coisa é possível ter certeza: o segmento tornou-se uma ótima oportunidade para empresas de pequeno porte. Formadas por cientistas e estudantes vinculados às universidades e centros de pesquisa, a maior parte das empresas que atuam no setor (75%) fatura até R$ 1 milhão por ano e 53,5% delas têm até nove funcionários.

É o que informa o estudo da Fundação Biominas, que buscou decifrar o segmento para medir seu crescimento. “O mercado ainda é pequeno, mas mostra uma evolução importante: a capacidade de especialização de micro e pequenas empresas”, declara Eduardo Emrich Soares, presidente da entidade.

Para o levantamento, a fundação estudou apenas empresas que têm como atividade comercial principal a aplicação tecnológica que utilize organismos vivos, sistemas ou processos biológicos, na pesquisa e desenvolvimento, na manufatura ou na provisão de serviços especializados. Ao todo, a Biominas mapeou 71 empresas de biotecnologia, 22,5% delas ligadas às atividades de agricultura e 18,3% com projetos relacionados à saúde animal. Jovens, três quartos delas têm no máximo dez anos.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Biotecnologia (Abrabi), devido à sua imensa área voltada para a agricultura e seu clima favorável, o Brasil tornou-se um gigante da biotecnologia clássica, um nicho de mercado avaliado pela entidade em US$ 30 bilhões, inserido em um mercado global estimado em cerca em US$ 200 bilhões, quando são considerados todos os produtos que utilizam algum tipo de biotecnologia em seu processo de fabricação. “Não conseguimos avaliar o tamanho e o potencial desse mercado no país. Só sabemos que as oportunidades são boas”, avalia Soares.

Para Célio Lopes da Silva, sócio da Farmacore, empresa que atua na produção de remédios com a utilização de biotecnologia, a expansão do segmento em todo o mundo é animadora.

“Estamos presenciando um crescimento de 20% ao ano nesta área”, afirma. Silva, que é professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, buscou recursos para financiar projetos que surgiram nos laboratórios da instituição. Com três anos de mercado, a empresa tem doze doutores e já realiza ensaios clínicos para alguns de seus medicamentos. “É necessário transferir o conhecimento conquistado dentro da academia para o mercado. E abrir uma empresa é um ótimo caminho para viabilizar isso”, comenta.

A Farmacore está sediada na incubadora Supera na cidade de Ribeirão Preto, projeto da Universidade de São Paulo. Lá utiliza laboratórios e está perto dos pesquisadores que trabalham para a universidade. A viabilidade para os estudos veio de financiamentos conseguidos por meio de linhas especiais da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), entidade governamental que tem como missão promover a inovação e a pesquisa científica e tecnológica em empresas, universidades, centros de pesquisa e outras instituições públicas e privadas.

“Temos duas linhas de pesquisas financiadas pela Finep, com recursos que são de subvenção econômica. Uma delas exigiu aporte de R$ 3 milhões e a outra de R$ 1 milhão”, conta.

Ele explica que pela via da subvenção econômica, a Farmacore não precisa reembolsar a Finep, tem apenas de prestar contas das pesquisas desenvolvidas. “Com organização e um bom projeto, é possível conseguir dinheiro”, comenta. Além disso, o investimento capitaliza a empresa até que ela comece a gerar receita. No caso da Farmacore, a comercialização de produtos ainda vai demorar alguns meses. “Alguns produtos estão em fase final de teste e dependem de aprovação dos órgãos governamentais para comercialização”.

Soares, da Biominas, lembra que a Finep financia projetos que podem chegar a R$ 6 milhões por meio de subvenção econômica, mas também possui linhas com juros zero e taxas bastante competitivas. Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece linhas para pesquisas que precisam de até R$ 1,5 milhão. “Outra oportunidade está na apresentação de projetos a fundos de capital de risco que começam a buscar empresas no Brasil”, complementa Eduardo Soares.

A busca de clientes ou parceiros também é um caminho interessante. Esta receita foi seguida pela Acrotech, formada por um grupo de professores ligados à Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. A empresa, tocada por cinco profissionais, três deles doutores, trabalhou em um projeto para viabilizar a utilização da palmácea macaúba na produção de biocombustível.

Com produtividade de óleo superior ao do dendezeiro – palmeira de onde se extrai o azeite de dendê – e com uma cadeia produtiva na qual tudo se aproveita, a planta seduziu a Entaban, gigante espanhola da área de bioenergia. “Desenvolvemos uma técnica de germinação da semente da macaúba que permitiu a produção de mudas. Antes, só era possível trabalhar com culturas nativas”, explica Luiz Ângelo Mirisola Filho, sócio da Acrotech e doutor em fitotecnia.

Com o problema de produção de mudas solucionado, a empresa espanhola fez um contrato com a Acrotech, que prevê a compra de 30 milhões de mudas, que serão plantadas e 60 mil hectares de terra na cidade de Lima Duarte (MG). “Com o adiantamento, finalizamos as pesquisas e agora vamos começar a vender as mudas”, afirma o pesquisador.

De acordo com ele, a empresa, que está prestes a completar um ano de idade, tem o faturamento compatível com o de uma microempresa e não deve ultrapassar os R$ 240 mil no primeiro ano. Para o segundo, os doutores da Acrotech planejam gerar R$ 2 milhões em receita. “Passaremos de microempresa a empresa de pequeno porte em pouco tempo”, acredita.

Para alcançar as metas, Mirisola Filho afirma que a empresa aproveitou a experiência com a planta para incrementar o catálogo de serviços oferecidos. Além de mudas, a equipe está preparada para assessorar seus clientes em todas as etapas do plantio da macaúba. “Além de vender a planta, vamos ensinar como cultivá-la e até prestar serviços para gestão da lavoura”, completa.
(Valor Econômico, 30/10)

Fonte: Jornal da Ciência 3631, 30 de outubro de 2008.