Mico geneticamente modificado

3 de junho de 2009 - 07:28

Primata alterado é o melhor modelo para estudo de doenças humanas incuráveis

Primatas geneticamente modificados para brilhar na luz ultravioleta e passar a característica para as gerações seguintes foram apresentados ontem por cientistas japoneses e prometem revolucionar a pesquisa médica.

A primeira família de primatas transgênicos abre caminho para que cientistas sejam capazes de criar grandes populações de macacos com falhas genéticas responsáveis por doenças humanas hoje incuráveis. O macaco é considerado o melhor modelo para estudo de problemas do homem e os estudos de diversas condições humanas ganhariam um impulso dos mais importantes.

O trabalho promete gerar muita polêmica não só por introduzir genes defeituosos em animais, mas também por ser capaz de criar uma nova linhagem humana ao abrir caminho para o desenvolvimento de seres humanos geneticamente modificados.

Macacos nativos do Brasil foram usados

Para os cientistas, trata-se de um dos maiores passos já dados na compreensão do desenvolvimento de doenças hereditária e motoras neuronais, desde o nascimento do indivíduo até a morte.

Para provar que domina a tecnologia, o grupo de Erika Sasaki, do Instituto Central para Experimentação Animal, em Kawasaki, no Japão, adicionou a embriões de micos-estrelas nativos do Brasil um gene que os faz brilhar em tons de verde sob a luz ultravioleta.

Os embriões alterados foram transferidos para mães de aluguel, o que levou a cinco nascimentos. Todos os recém-nascidos apresentaram o gene verde, e dois deles se mostraram capazes de passá-lo a seus descendentes.

Desde abril, mais três micos já nasceram com o gene verde. Todos eles são saudáveis e não brilham sob luz normal.

O próximo passo dos cientistas é criar famílias de macaco que desenvolvam doenças neurodegenerativas similares às que acometem o homem.

“Nosso método para produzir primatas transgênicos promete ser uma ferramenta poderosa para o estudo sobre os mecanismos das doenças humanas e o desenvolvimento de novas terapias”, escreveram os autores em estudo publicado na “Nature”.

Os cientistas costumam usar camundongos geneticamente modificados em estudos para aprender sobre o desenvolvimento de doenças humanas, mas o primata é considerado um modelo muito melhor e mais informativo.

— O trabalho é potencialmente importante para o futuro da pesquisa sobre as causas do mal de Parkinson — afirmou Kieran Breen, da Sociedade para o Mal de Parkinson.

— Como os primatas não humanos são muito mais próximos do homem do que os camundongos, a criação bem-sucedida de micos transgênicos significa que temos um novo modelo animal com o qual trabalhar.

Mas há ainda grandes desafios a serem superados — tanto tecnológicos quanto éticos. Os cientistas precisam ainda provar que a tecnologia é capaz de recriar as doenças humanas em macacos geneticamente modificados e também que os primatas são melhores modelos do que outros animais.

Um editorial publicado na “Nature” junto com o estudo, alerta para a possibilidade de o trabalho incendiar o já controverso debate sobre ciência e direitos dos animais ao “introduzir, intencionalmente, um gene defeituoso num primata”.

Direito dos animais gera polêmica

E não é só. Entidades protetoras dos direitos dos animais reclamam ainda que o número de macacos nos laboratórios aumentaria substancialmente.

Uma legislação europeia sobre o uso de animais na pesquisa pode até mesmo proibir o estudo ao impedir o uso de primatas em pesquisa básica.

— Ainda é muito cedo para dizer se haverá um aumento do uso de macacos — afirmou Vicky Robinson, chefe da organização NC3R, que faz campanha pela redução do uso de animais em pesquisas. — Não podemos partir já do princípio de que um mico-estrela transgênico será melhor para a pesquisa de doenças do que, por exemplo, um camundongo transgênico. Qualquer pesquisador que queira fazer isso terá que demonstrar que as vantagens científicas obtidas com o macaco superam as considerações éticas que a acompanham.
(O Globo, 28/5)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3771, 28 de maio de 2009.