Lições de canto
23 de junho de 2010 - 06:25
Descoberta de genes que fazem pássaros cantarem pode ajudar nos distúrbios da fala
Acostumado a se encantar com os sons produzidos pelos pássaros, o homem agora pode ter nesses pequenos animais aliados para entender os mecanismos da sua própria fala e também para combater diversas doenças.
É o que revelam cientistas, que conseguiram fazer, pela primeira vez, o mapeamento genético completo de um cantor da natureza: o mandarim australiano. O trabalho, publicado na revista “Nature”, mostra que ele possui cerca de 800 genes – correspondente a 5% do seu genoma – ligados ao aprendizado do canto.
Como o mandarim aprende a cantar da mesma forma que os humanos aprendem a falar – imitando os mais velhos – o time internacional de pesquisadores que fez o estudo acredita que os dados e a comparação podem nos ajudar não apenas a entender como se dá o aprendizado da linguagem, mas também a compreender os distúrbios da fala e o motivo pelo qual doenças como o autismo e os derrames a afetam.
– O aprendizado do canto é um excelente modelo para diversos outros tipos de aprendizados ligados à fala – diz Chris Ponting, da Universidade de Oxford, um dos autores do estudo. – Há experimentos que podem mostrar as alterações que ocorrem no cérebro durante esse processo. O genoma do mandarim vai ser uma excelente ferramenta para nos ajudar a avançar nesse campo.
Pesando apenas 14 gramas, o mandarim australiano é o primeiro pássaro que canta a ter o seu genoma decodificado. A primeira ave foi a galinha.
Segundo os cientistas, quando pequeno, o mandarim aprende a se expressar através do canto da mesma forma que os bebês humanos: emitindo sons aleatórios, na tentativa de imitar o que ouve dos adultos. Um processo que vai sendo passado de geração a geração.
Ave e humanos têm genes em comum
Como esse aprendizado é semelhante ao humano e como ambos têm genes em comum, os mandarins podem abrir portas para o entendimento de diversos distúrbios da fala, acreditam os pesquisadores. Sobretudo, podem servir de modelos para estudos.
– A partir de agora, esse animal ganha uma importância muito grande para a neurociência humana – garante Wes Warren, da Universidade de Washington, que também participou do estudo. – Mas, levando-se em conta a enorme rede de fatores genéticos e moleculares envolvidos com esse processo, sabemos que teremos uma difícil tarefa pela frente.
Até então, os especialistas acreditavam que existissem cerca de 100 genes envolvidos no aprendizado do canto dos mandarins. A descoberta de que há pelo menos 800 dá a dimensão da complexidade desse processo.
– De fato, o aprendizado do canto é mais complexo do que imaginávamos. A parte do cérebro que controla esse mecanismo é regulada por um número de genes bem maior do que se supunha – conta Erich Jarvis, da Universidade de Duke, na Carolina do Norte.
Muitos desses genes não atuam da forma usual, como um código para a produção de proteínas. Em vez disso, eles integram uma parte do genoma que, até então, era conhecida como DNA-lixo, que não participa da formação de proteínas e tem uma função desconhecida. A análise do genoma dos mandarins revela que essa porção do DNA pode ter uma função crucial nesse processo.
– O mais importante é que agora poderemos expandir nosso conhecimento sobre como se dá a vocalização nos humanos – diz Eric Green, do Instituto de Pesquisa do Genoma Humano, nos EUA. – E isso pode nos levar a novos tratamentos de doenças e desordens que envolvem a fala, do autismo à gagueira.
(O Globo, 1/ 4)
Fonte: Jornal da Ciência 3981 – 01 de abril de 2010.