Laboratórios anunciam fabricação de vacina contra a gripe suína
18 de junho de 2009 - 04:43
Um dia após declaração de pandemia, empresa diz que dose fica pronta até setembro; países fazem encomenda
No dia seguinte à declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) da primeira pandemia de gripe em 41 anos, começou uma corrida entre governos e laboratórios pela produção e fornecimento de vacinas contra o vírus influenza A(H1N1). Atualmente há medicamentos antivirais, mas não prevenção.
O anúncio de maior impacto veio da Novartis, que diz ter conseguido chegar a uma primeira versão da vacina e que o produto pode estar no mercado em setembro. Durante o dia, as ações da empresa na Bolsa de Valores de Zurique chegaram a subir. O Instituto Butantã informou ter capacidade para iniciar a produção em outubro, mas em pequena quantidade.
A GlaxoSmithKline afirmou que estaria pronta em “apenas algumas semanas” para iniciar uma produção em larga escala de vacinas. Já a Sanofi-Aventis informou estar trabalhando em uma versão própria. Segundo a OMS, quase 30 mil pessoas já foram afetadas pelo vírus A(H1N1) em 74 países, com 145 mortes. No Brasil, os casos passaram para 54, com mais um em Minas e outro na Bahia.
A corrida em busca da produção da vacina, no entanto, explicita as contradições do sistema de saúde público mundial e se transforma em um teste para a OMS. Não há acordo sobre como essas vacinas, recursos e remédios chegarão aos países mais pobres. Com a declaração de pandemia anteontem, a entidade elevou o nível de alerta (que varia de 1 a 6) para o máximo diante da constatação de que a disseminação é global. Sem poder conter o vírus, a OMS passou à estratégia de mitigar os efeitos. Para isso, a vacina será fundamental.
Patente
O método usado pela Novartis para chegar a uma vacina é patenteado. Governos de países emergentes temem que o produto final também tenha proteção. A tecnologia usada é baseada em células, e não no desenvolvimento da vacina em ovos como ocorre tradicionalmente.
O problema é que, antes mesmo da produção final da vacina, alguns dos países ricos já depositaram suas encomendas às multinacionais. Só a Novartis já recebeu 30 encomendas de diferentes países. França, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos assinaram acordos há meses.
No total, a estimativa é de que a capacidade mundial de produção de vacinas chegue no médio prazo a 2,4 bilhões de doses. Mas ainda não há certeza se a proteção será garantida com uma ou duas doses. Com mais da metade da população mundial desprotegida, a OMS admite que está preocupada com a possibilidade de que as populações mais pobres simplesmente sejam deixadas sem vacinas, diante dos contratos dos países ricos. Mas insiste que, até agora, a maioria das regiões atingidas foi países ricos.
“A pandemia é um sinal para comunidade internacional de que precisa atuar de forma conjunta, em solidariedade, para garantir que nenhum país seja deixando sem ajuda”, diz Margaret Chan, diretora da OMS.
Em maio, Chan e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, se reuniram em Genebra com empresas de todo o mundo, inclusive o Instituto Butantã, para tentar chegar a um acordo sobre o fornecimento de vacinas aos países mais pobres. Mas os únicos que prometeram doação foram os emergentes, indicando que dariam 10% de sua futura produção de vacinas à OMS para distribuição.
O chefe de operações humanitárias da ONU, John Holmes, também admite que a organização está preocupada com o impacto que o vírus A(H1N1) pode causar nos países em desenvolvimento. “A América Latina e a África são regiões que nos preocupam, principalmente as áreas mais vulneráveis”, disse.
O mesmo dilema ocorre na distribuição de antivirais. A Roche praticamente domina o mercado e fez doações de 10,6 milhões de doses do remédio para a OMS, distribuídas para 121 países. Mas governos alertam que isso é uma gota d’água diante do que seria necessário. Só a França conta com mais de 30 milhões de doses. Chan evitou dar seu aval à quebra de patentes para que se possa produzir o remédio genérico. Hoje, há só uma empresa indiana que o produz, além da Roche. (Jamil Chade)
Butantã pode iniciar produção neste ano
O Instituto Butantã pode começar a produzir a vacina contra o vírus A(H1N1) em outubro, quando ficará pronta a primeira unidade da América Latina com tecnologia para fabricar o insumo. “Já temos uma planta piloto, onde desenvolvemos e testamos a vacina contra a gripe sazonal (comum) e aviária”, explica o presidente da Fundação Butantã, Isaías Raw. “Vamos usá-la por enquanto.”
Segundo o pesquisador, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deve enviar em 15 dias o vírus atenuado – enfraquecido para não causar a doença em humanos – que será usado na produção da vacina. “Ainda faltarão os reagentes”, afirma Raw. “Mas já vamos reproduzir o vírus no laboratório em ovos fecundados de galinha.”
Em setembro, técnicos do laboratório francês Sanofi-Aventis – que transferiu a tecnologia de produção da vacina para o Brasil – vão inspecionar a planta. No mesmo mês, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve autorizar o funcionamento. A fábrica, localizada no instituto em São Paulo, recebeu investimentos de R$ 54 milhões do Ministério da Saúde e do governo estadual.
Servirá também para produzir as doses de vacina contra gripe sazonal e formar o estoque de imunizações contra a gripe aviária. O custo para produzir cada dose será, em média, de R$ 5,00. Atualmente, o instituto realiza apenas o envasamento das vacinas compradas da França e usadas na campanha nacional de imunização de idosos. “Seremos autossuficientes na produção de vacinas contra influenza”, afirma Raw.
A planta deveria entrar em funcionamento no ano passado, mas adaptações no projeto inicial atrasaram a conclusão das obras. “Já está tudo montado”, aponta o pesquisador. “Em breve, vamos instalar a última máquina que falta: um equipamento para descartar os ovos que sobram no fim do processo.”
Ainda segundo Raw, “em outubro podemos começar a produzir vacinas para a gripe sazonal ou suína. A decisão será do Ministério da Saúde”.
Ele explica que o processo de produção da vacina é semelhante para qualquer cepa de vírus, mas são necessários quatro meses para produzir os 23 milhões de doses da campanha nacional contra a gripe sazonal. “Se o ministério preferir produzir primeiro vacinas contra a gripe comum, começamos a produção da vacina contra a gripe suína em janeiro.” A gripe comum causa cerca de 500 mil mortes anuais no mundo e, até o momento, sabe-se que a nova gripe suína gerou 145 óbitos.
A ideia inicial é produzir 100 mil doses contra o A(H1N1), mas podem chegar a 1 milhão se o vírus se espalhar no País. Profissionais de saúde e pessoas que tiveram contato com infectados pela doença serão vacinados prioritariamente. Raw não descarta a compra de um lote inicial de vacinas das multinacionais caso o ministério priorize a produção de imunizações contra a gripe sazonal.
A diretora-geral da OMS, Margaret Chan, deixou claro anteontem que a entidade conta com a produção de vacinas do Instituto Butantã para oferecer o produto a países em desenvolvimento. Raw afirma que o Brasil tem capacidade para produzir um excedente voltado à exportação. “Além disso, é uma medida interessante para o País. Auxiliar na imunização dos nossos vizinhos poderá diminuir o impacto da doença aqui”, aponta.
Procurado ontem, o Ministério da Saúde informou que não foi avisado pelos laboratórios sobre a fabricação de vacina da gripe suína nem houve pedido de registro no Brasil.
De acordo com o ministério, a decisão, por enquanto, é apenas acompanhar com interesse o que tem sido feito em relação à evolução do combate à gripe suína ao redor do mundo. (Alexandre Gonçalves)
(O Estado de SP, 13/6)
Fonte: Jornal da Ciência 3783, 15 de junho de 2009.