Laboratório quer recriar água marciana
17 de março de 2009 - 06:45
Experimento de brasileiro pretende simular condições em que substância se torna líquida mesmo em baixa temperatura. Cientista convence colegas de que imagem registrada por sonda em Marte mostra gotas e submete estudo para publicação científica
Felipe Maia escreve para a “Folha Online”:
O cientista que lançou a controversa hipótese da existência de água líquida em Marte já conseguiu convencer vários colegas de que a teoria é consistente e prepara agora um experimento para reforçá-la. Nilton Rennó, da Universidade de Michigan (EUA) -um dos brasileiros envolvidos na missão da sonda espacial Phoenix, da Nasa- pretende simular em laboratório as condições atmosféricas do planeta vermelho.
O objetivo do cientista é verificar se a substância apareceria da mesma forma como foi observada pela sonda. Após análise, Rennó interpretou as imagens como sendo de líquido, conforme noticiado pela Folha Online em agosto. A alta concentração de sais é o que permitiria à água marciana ser líquida em baixas temperaturas.
Antes de iniciar o experimento, Rennó já submeteu para publicação um estudo assinado em conjunto com mais 22 cientistas -da Nasa e de diversas universidades americanas- que apóiam a tese da água líquida. O trabalho deverá sair na revista científica “Journal of Geophysical Research – Planets”, após passar por revisão.
Para indicar a presença de água líquida, foram usadas imagens e medidas térmicas registradas pela sonda. Nas fotos, o cientista indica onde estão pontos que seriam pequenas gotículas de água na região de uma das pernas da Phoenix.
Rennó diz que “bolsas” de líquido são formadas por uma água com alta concentração de perclorato de magnésio. Isso permite a existência de água líquida mesmo a uma temperatura média de 53C negativos. Provas de que essas formações escorregam, gotejam e se fundem na perna da Phoenix dão força à teoria do cientista. Entretanto, alguns pesquisadores dizem acreditar que os pontos vistos no local são apenas grãos de gelo ou, no máximo, uma espécie de gel.
Com a ajuda do Centro de Astrobiologia de Madri, porém, Rennó tentará repetir o processo que leva à formação de água líquida usando uma câmara pressurizada. No equipamento, será colocado um pedaço de metal resfriado a até 70C negativos. Esse metal também vai receber sal, para dar condições à água supersalgada de se materializar no local. E, por fim, será colocado gelo na câmara, para simular o tipo de solo em que a sonda estava apoiada.
Rennó espera que o gelo que sublimar dali forme gotas nos locais em que existirem partículas de sal. “Então, vamos analisar se esse crescimento [a formação das bolsas] ocorre no estado líquido ou sólido, nas condições de Marte”, afirmou.
Ainda não há data definida para o início dos experimentos, mas a expectativa é que até maio já seja possível fazer a primeira análise dos resultados.
Vida extraterrestre
A água líquida é um ponto-chave na pesquisa sobre a possibilidade de Marte abrigar vida. A substância nesse estado é fundamental, embora estudos indiquem que água salgada demais impeça a existência de micróbios como os da Terra.
Novas missões de sondas em Marte nos próximos anos podem ajudar a comprovar de vez a presença de água líquida. Será necessário, por exemplo, fazer novas medições de condutibilidade elétrica do solo, para analisar sua formação química.
A Nasa deve lançar em 2011 o Mars Science Laboratory, que permitirá saber se Marte é capaz de abrigar vida microbiana. A Agência Espacial Europeia cogita mandar mais dois veículos robóticos para explorar a superfície do planeta em 2015.
Apesar de se dizer convicto sobre a água líquida marciana, Rennó reconhece que é preciso ter mais dados para uma comprovação cabal. “Na ciência, a dúvida sempre vai existir até que outra missão faça uma medição independente”, diz.
É como o caso da presença de gelo em Marte, que vinha sendo mostrada havia anos. Foi só em 2008, com a Phoenix, que um artefato humano “tocou e sentiu o gosto” da substância.
Sonda viu líquido em movimento, diz pesquisador
A água em Marte é capaz de se mover, misturar e mudar de coloração, diz o geocientista Nilton Rennó. Essa é uma das evidências encontradas por ele para dizer que a substância existe no planeta em estado líquido, e não só congelada.
Com base em fotos tiradas em datas diferentes pela sonda marciana Phoenix, ele diz que as bolsas de água salgada encontradas em uma das pernas da Phoenix deslizaram, escorreram ou se fundiram à medida que os dias ficavam mais quentes. “Isso não ocorreria se fosse gelo”, afirma Rennó.
Além disso, foi detectado que essas esferas de água cresceram apenas nos primeiros 44 dias da missão, quando a temperatura estava mais alta -durante esse período, praticamente não houve formação de gelo nos locais próximos à sonda.
Depois, conforme Marte apresentava dias mais frios, ocorreu o movimento contrário, com diminuição das bolsas de água e aumento na quantidade de gelo. “Isso não é consistente com a ideia de que o que vimos foram partículas de gelo, porque elas deveriam crescer quando fica mais frio, e há formação de gelo em praticamente todos os lugares”, diz Rennó.
Outra evidência apontada no estudo é a mudança de cor apresentada pelas gotas, que ficam mais escuras no decorrer do tempo, algo que não aconteceria caso fossem gelo.
(Folha de SP, 19/2)
Fonte: Jornal da Ciência 3706, 19 de fevereiro de 2009.