Júpiter pode “jogar” cometas na Terra

4 de agosto de 2009 - 07:41

Simulação mostra que planetas não formam barreira de proteção

Carlos Orsi escreve para “O Estado de SP”:

Cometas de uma população que, acreditavam os cientistas, jamais teriam a chance de chegar perto da Terra podem ser arremessados em nossa direção pelo efeito gravitacional dos dois planetas gigantes do sistema solar, Júpiter e Saturno. Uma simulação que revela essa rota espacial, até agora desconhecida, aparece na edição desta semana da revista Science.

Para ter uma oportunidade de passar pela Terra, os chamados cometas de longo período – com órbitas de 200 anos ou mais e que habitam a zona mais externa do sistema solar, a nuvem de Oort – precisam, primeiro, atingir uma distância do Sol suficientemente grande para que as suas trajetórias sofram uma influência decisiva de outras estrelas.

Sem esse impulso extra, os cometas da nuvem que tentam chegar à parte interna do sistema solar acabam expulsos pela chamada “barreira Júpiter-Saturno”, formada pela influência gravitacional dos planetas gigantes. Os cientistas acreditavam que apenas os cometas da chamada parte externa da nuvem de Oort – os que, no ponto mais longínquo de suas órbitas, vão a mais de 20 mil vezes a distância que separa a Terra do Sol – teriam chance de escapar da barreira.

Mas as coisas podem não ser bem desse jeito. “Em nossas simulações, vimos que alguns cometas da parte interna da nuvem, antes de serem ejetados, têm encontros com Júpiter e Saturno, que são muito fracos para expulsá-los, mas fortes o bastante para mudar sua distância máxima do Sol. Esses encontros fracos movem alguns para a nuvem externa”, de onde podem ser empurrados na direção da Terra, explica o principal autor do artigo na Science, Nathan Kaib, da Universidade de Washington.

O efeito total dos planetas gigantes sobre a segurança terrestre ainda é uma questão em aberto. A colisão de um cometa ou asteroide com Júpiter, na semana passada, provocou comentários sobre o “efeito protetor” da gravidade dos gigantes gasosos, mas Kaib explica que, se existe, o efeito não surge porque “Júpiter leva o tiro em nosso lugar”.

“Na média, Júpiter e Saturno serão atingidos mais vezes que a Terra porque são maiores e estão mais expostos, mas seu papel como ?protetores planetários? vem da capacidade de ejetar corpos para o espaço interestelar”, continua.

Só que mesmo essa proteção é duvidosa. “De acordo com as simulações que rodei, Júpiter e Saturno reduzem o número de cometas da nuvem de Oort que cruzam a órbita da Terra por um fator de 30”, diz Kaib.

“Mas esses planetas também tiveram um papel na formação da nuvem”, destaca. “Além disso, têm um papel crítico em ‘pastorear’ cometas de período curto para a Terra, bem como em perturbar asteroides para órbitas que cruzam a da Terra. Então não está claro, ao menos para mim, se o efeito líquido protege ou põe a Terra em risco.”

Os cometas de período curto originam-se, em sua maioria, de uma região do espaço além da órbita de Netuno, mais próxima de nós que a nuvem de Oort.

O astrônomo também acrescenta que os riscos de impacto de cometas vindos da nuvem de Oort com a Terra são muito menores que os de um impacto de asteroide.

A simulação rodada por Kaib mostrou que, mesmo na maior chuva de cometas dos últimos 500 milhões de anos – quando diversos corpos da nuvem foram deslocados pela passagem próxima de uma estrela -, apenas dois ou três, no máximo, teriam atingido a Terra.

Já cometas solitários originários da nuvem, desvinculados de chuvas, atingiriam a Terra uma vez a cada 30 milhões ou 40 milhões de anos. “Esse fluxo é muito pequeno se comparado ao de corpos do cinturão de asteroides. Acredita-se que um asteroide de 1 quilômetro ou 2 quilômetros atinge a Terra a cada milhão de anos.”
(O Estado de SP, 31/7)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3817, 31 de julho de 2009.