Inovação tecnológica, ousadia e estratégia, artigo de Roberto Nicolsky e André Korottchenko
8 de outubro de 2008 - 11:41
Arrogante, o país cresce basicamente só na exportação de commodities
Roberto Nicolsky, físico, é diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-inovação Tecnológica André Korottchenko de Oliveira é engenheiro eletrônico e consultor em gestão de patentes. Artigo publicado em “O Estado de SP”:
O Brasil vem caindo no ranking mundial do escritório norte-americano de registro de patentes (USPTO, na sigla em inglês), superado por outros emergentes nas últimas três décadas. Fato pior é a matriz tecnológica nacional não ter evoluído para setores mais dinâmicos da indústria, a exemplo do que ocorreu nos países asiáticos.
Neles, políticas de apoio universal à inovação impactam todas as cadeias produtivas e fazem avançar a microeletrônica, setor transversal no qual uma patente agrega valor à tecnologia de outras indústrias. No Brasil, ao contrário, parece faltar visão estratégica na política de inovação, pois a distribuição por setores se mantém praticamente a mesma e desprivilegia os segmentos mais promissores.
No triênio 2005-2007, Malásia, China e Índia apresentaram na área eletrônica e de software um grande dinamismo tecnológico, com taxas recordes de crescimento.
A Índia, que só chegou a ultrapassar o Brasil no USPTO há dez anos, dobrou o número de patentes nessa área em relação ao triênio anterior, chegando a 44% do total, com 620 novas patentes, enquanto o Brasil permaneceu no baixíssimo patamar de 11%, com 32 registros. Em eletrônica, a China e a Índia obtiveram nesse triênio, respectivamente, 4,7 e 2,2 vezes mais do que o total de patentes brasileiras no mesmo período.
Ainda neste último triênio, a área de farmácia-biotecnologia brasileira foi a única que apresentou expansão, com acréscimo de 54%, passando de 26 para 40 patentes. A melhora ocorreu principalmente nas subáreas de farmácia-cosmética, que teve um salto de 13 para 23 registros, e de produtos agrícolas e alimentares, que cresceu de 6 para 11 registros. Esse resultado expressa bom aproveitamento da prioridade da política industrial, destacando o BNDES, nos últimos anos, como agência de fomento em inovação na área de farmoquímicos e produtos farmacêuticos.
Já o segmento de máquinas-mecânica-transportes caiu 26% em termos absolutos. E quase todas as outras áreas também apresentaram declínio, significando que o Brasil vem decaindo em obtenção de patentes de uma forma geral (ou flutuando em torno de um baixo valor estacionário), tanto nos setores de ponta como nos tradicionais.
As estatísticas mostram que é pouco efetiva a nossa política de inovação tecnológica nas áreas mais promissoras, nas quais outros países emergentes estão, não por acaso, se especializando. Estamos ficando para trás na indústria eletrônica, hoje uma das mais dinâmicas e promissoras em termos de inovação, pois está ligada à automação industrial como um todo e confere competitividade às demais indústrias, gerando um efeito em cadeia.
Na contramão da bem-sucedida prática indiana, em nosso país o compartilhamento de risco – subvenção econômica – está restrito a poucos tópicos pontuais não demandados por indústrias. E os incentivos fiscais estão restritos às grandes empresas que apuram lucro real e representam apenas 6% do todo.
Foi a ousadia da estratégia na área de eletrônica que mudou a matriz tecnológica da China e da Índia, tornando esses países líderes em crescimento entre os emergentes. Eles cresceram com base nas invenções incrementais, ou inovações, realizando pequenas melhorias em tecnologias já existentes.
Não se conhece nenhum produto novo lançado por esses países. O LCD, ou monitor de cristal líquido, é um bom exemplo do poder da invenção incremental. A descoberta rendeu um Prêmio Nobel à França, foi popularizada pela japonesa Sony, hoje as marcas líderes são as coreanas Samsung e LG e o país que mais fabrica o produto é a China.
É inviável para um país emergente pretender alcançar de imediato a fronteira da tecnologia e se lançar às invenções radicais ou descobertas. Tal investimento exige não apenas condições de superar um alto risco tecnológico, mas também muitos recursos para o seu desenvolvimento, estrutura industrial para uma produção de escala e estratégias de comercialização global, condições que somente os países de Primeiro Mundo possuem de forma articulada.
Os países emergentes que crescem aproveitam as oportunidades em setores de ponta para agregar pequenas melhorias aos seus produtos. Enquanto isso, o Brasil mantém uma atitude arrogante, pretendendo uma posição entre as indústrias de ponta, mas, na prática, continua a crescer basicamente na exportação de commodities.
Ainda que isso expresse uma elevação da competitividade e do conteúdo tecnológico do agronegócio, não nos podemos contentar com a condição de meros exportadores de produtos primários. Assim, seremos vulneráveis a políticas de preços, estoques e distribuição que não controlamos e, portanto, a oscilações desastrosas para nossa economia.
É fundamental buscarmos novas vocações tecnológicas para o País, como já fizemos no passado com o petróleo. Tínhamos duas opções: importá-lo ou desenvolver tecnologia para exploração no mar. Escolhemos a segunda alternativa e conseguimos – com a continuada agregação de muitas melhorias incrementais – atingir a auto-suficiência.
O caminho não é fácil. Gerar tecnologia envolve fatores complexos, como educação crítica, estímulo à iniciativa e, principalmente, compartilhamento direto com a empresa do risco tecnológico para dar a partida, além de benefícios fiscais para sua continuidade. Mas, se não nos dispusermos a ousar nessa área, nunca sairemos do lugar.
Diz-se que o País já perdeu muitos trens – os da microeletrônica, da indústria farmacêutica e outros -, mas devemos acreditar que não os perdemos, passaram apenas alguns vagões. A questão que se deve colocar é: quantos vagões mais deixaremos passar até decidirmos efetivamente entrar no trem do crescimento acelerado?
(O Estado de SP, 29/9)
Fonte: Jornal da Ciência 3608, 29 de setembro de 2008