Indústrias investem em defensivos biológicos

22 de setembro de 2009 - 06:33

Grandes empresas do setor apostam no nicho e oferta aumenta
No cotidiano, as fabricantes de defensivos agrícolas fazem referência a seus produtos com esse termo, “defensivos” – ou proteção de cultivos, do ânglico “crop protection”. Gente menos afeita ao mundo agrícola costuma apelar ao generalista “agrotóxico” para tratar do mesmo tema. Na lida das lavouras, muitos produtores rurais são menos eufêmicos: o que se pulveriza sobre a plantação, se não for água, é “veneno”.
 
Pois crescem as investidas das fabricantes de defensivos para fazer agrotóxicos que façam os agricultores mudar o vocabulário. O mercado dos chamados defensivos agrícolas biológicos, que, em geral, prescindem da utilização de produtos químicos, é minúsculo dentro do universo total da indústria de agrotóxicos. Nos últimos tempos, contudo, têm se multiplicado as iniciativas das indústrias nessa seara.
 
Em um universo de 1,4 mil agrotóxicos registrados, apenas 16 são biológicos. No momento, em contrapartida, estão em andamento ao menos 50 processos para registros de novos produtos biológicos. O contingente atual dos biológicos representa apenas 1,14% do total de defensivos registrados no país. Se todos os 50 forem aprovados, essa fatia passará a 4,55%. Há de se reconhecer que a parcela ainda é marginal, mas, com os novos registros, o número de defensivos biológicos no mercado será mais que quadruplicado em um curto espaço de tempo.
 
O Ministério da Agricultura, um dos três órgãos responsáveis pelo registro de agrotóxicos no país – os outros são o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – lançou uma campanha para acelerar os trâmites da etapa burocrática da validação dos biodefensivos.
 
“O tempo para o registro de um defensivo biológico tem que ser metade do de um químico. A lei diz que produtos de baixa toxicidade e periculosidade têm que ser priorizados”, diz Luís Rangel, coordenador-geral de agrotóxicos do Departamento de Fiscalização de Insumos Agrícolas do ministério.
 
A Basf é uma das grandes fabricantes de agrotóxicos que estreará em breve no mercado dos biodefensivos no Brasil. A empresa já pôs em curso o processo de registro de um fungicida biológico que tem como ingrediente ativo a bactéria Bacillus subtilis. A expectativa da companhia é que a comercialização já esteja autorizada no início do próximo ano.
 
O biofungicida entrou no portfólio da Basf em abril deste ano, quando a empresa fechou acordo de cooperação com a americana AgraQuest, detentora da tecnologia. O acordo de distribuição é mundial, mas as vendas ainda não começaram no Brasil por falta de registro.
 
“O produto é complementar a nossos outros produtos porque é usado no fim do ciclo das culturas”, diz Valdirene Bastos Licht, diretora de marketing estratégico da Basf para a América Latina. O produto é usado principalmente no cultivo de frutas e hortaliças. No Brasil, a empresa pretende requisitar registros para culturas como banana, maçã e morango.
 
A Bayer CropScience é outra das grandes fabricantes que prepara investidas no segmento. No exterior, a companhia fechou, em março, a compra dos ativos da israelense AgroGreen voltados ao desenvolvimento e à produção de defensivos biológicos.
 
Independentemente da transação, no Brasil, a companhia está no segundo de dois anos de testes de inseticidas e fungicidas biológicos, segundo Gerhard Bohne, diretor de operações de negócios da companhia no Brasil. A requisição de registro vai depender dos resultados alcançados nos testes.
 
Os entusiastas dos defensivos biológicos citam, entre as vantagens, o fato de os resíduos não serem nocivos ao ser humano. As pesquisas, no geral, também são muito mais caras no caso dos agrotóxicos químicos.
 
Também há ressalvas com os biodefensivos, contudo. Como sua utilização ainda não ocorre em larga escala, não há um longo histórico de sua eficácia – há experiências bem-sucedidas, mas não se tem registro de como isso ocorre em prazos mais dilatados. Outro dos senões, segundo alguns fabricantes, é que existem exemplos de sucesso no combate a insetos, mas a criação de herbicidas biológicos ainda não prosperou a contento.
 
Enquanto as grandes fabricantes preparam suas investidas no segmento, as pequenas, que exploram o filão há mais tempo, tentam se beneficiar da onda de fortalecimento do setor. No início do ano, dez delas criaram a Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio) para ganhar musculatura conjunta.
 
“No mundo inteiro, a pressão sobre os defensivos químicos é crescente. A entrada das grandes indústrias de agrotóxicos no segmento é benéfica porque elas têm capacidade de investimento muito maior, mas sempre vai haver espaço para os pequenos”, diz Ari Gitz, presidente da entidade e sócio da Bio Controle, empresa que prepara a inauguração da primeira “fábrica” de nematoides, vermes que atacam pragas de plantas. “Os biológicos não são mais produtos de nicho. Deixaram de ser coisa apenas dos ‘naturebas'”.
(Patrick Cruz)
 
São Paulo terá primeira ‘fábrica’ de nematoides do país
 
Depois de dois anos e meio de pesquisas, a primeira “fábrica” de nematoides do país entrará em operação em Indaiatuba, no interior de São Paulo. O negócio é fruto de uma parceria entre o Instituto Biológico, vinculado à Secretaria Estadual de Agricultura, e a empresa de comercialização de biodefensivos Bio Controle.
 
Os nematoides são vermes de até 1 milímetro de comprimento cuja principal função é atacar pragas de plantas. A produção terá como foco o bicudo da cana-de-açúcar, uma praga antiga que ataca sem perdão a principal lavoura agrícola paulista. É, como brincam os pesquisadores, um “verme do bem”. Segundo Ari Gitz, diretor da Bio Controle, a estimativa é de uma produção inicial de nematoides para dois mil hectares de cana no Estado.
 
São necessários três avais para a formalização do uso do nematóide. Dois já foram obtidos, o do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O terceiro, do Ministério da Agricultura, está em fase final de avaliação e deve ser obtido até novembro, diz Gitz.
 
Com isso, a fábrica pode entrar em operação ainda neste ano. “Até lá, vamos continuar com as pesquisas”, afirma. O uso do nematoide para o combate de pragas pode ocorrer também na produção de flores, entre outros cultivos. Este será, segundo Gitz, o primeiro registro de defensivo macrobiológico do país – termo usado em referência a defensivos biológicos visíveis a olho nu.
 
“Até então tínhamos apenas pesquisas nessa área. A partir de agora teremos uma produção em escala industrial”, afirma o diretor-geral do Instituto Biológico, Antonio Batista Filho. Para a Biocontrole trata-se também de um avanço e tanto: até então, a empresa apenas comercializava biodefensivos. Esse será seu primeiro passo na produção.
 
Os nematóides ainda não serão a solução definitiva para garantir a saúde da cana, alerta Batista, mas uma ferramenta extra para o controle biológico do bicudo, contido hoje com o uso amplo de produtos químicos.
 
A nova fábrica levará ao canavial o verme de nome Heterorhabditis, gênero de nematoide que carrega em seu intestino uma bactéria fatal. Assim que penetra no inseto, ele libera a bactéria, que se multiplica e provoca a morte do hospedeiro. O processo todo dura de 24 horas a 48 horas.
 
O Heterorhabditis tem também uma vantagem: seu peculiar comportamento de “procura e perseguição” do hospedeiro. Graças a quimiorreceptores na região cefálica, ele é capaz de localizar com facilidade o bicudo por meio, principalmente, das liberações de gás carbônico da vítima. De acordo com o diretor do Instituto Biológico, “foi a melhor resposta encontrada”.
 
Para o pesquisador Luís Garrigós Leite, do Laboratório de Controle Biológico do Instituto, a nova fábrica dará outras alternativas aos produtores. Ele explica que bioinseticidas similares são fabricados em outros países, mas não são importados devido à burocracia (questão de sanidade) e ao alto custo desses produtos. Segundo Leite, a dose de bioinseticida por hectare custa, em média, US$ 200.
(Bettina Barros, com Patrick Cruz)
(Valor Econômico, 14/9)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3847, 14 de setembro de 2009.