Gasolina nacional gera mais ozônio, diz estudo da USP

11 de setembro de 2008 - 10:08

Produção do poluente em SP cairia 43% se carros utilizassem combustível com padrão californiano de refino

Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP”:

Simulações feitas nos computadores da USP acabam de escancarar a oculta sujeira química que existe na gasolina usada em toda a região metropolitana de SP.

Se a frota de veículos leves queimasse o combustível que abastece os carros da Califórnia (EUA), a quantidade do nocivo gás ozônio lançado no ar paulista cairia 43%. Outros cinco cenários, todos desfavoráveis ao combustível nacional, foram calculados.

“Podemos dizer, sim, que a nossa gasolina é pouco refinada, para não dizer suja”, afirma a química Leila Martins, autora do estudo ainda inédito, mas já aceito para publicação no periódico “The Open Atmospheric Science Journal”.

O modelo matemático usado pela pesquisadora do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP está calibrado com dados reais obtidos nos túneis paulistanos -ao ar livre, existem muitas outras variáveis que atrapalham as medições dos gases emitidos pelos veículos.

A gasolina da Califórnia acabou escolhida, segundo Martins, porque ela é bastante refinada. Foram feitas duas reformulações químicas no combustível na última década.

Exatamente por isso, diz a pesquisadora, os dados gerados por elas são suficientes para abrir um outro debate. A gasolina brasileira -assim como deve ser feito com o óleo diesel- não precisaria passar por uma reformulação imediata?

De acordo com a ANP (Agência Nacional de Petróleo), existe um plano de reformular as características técnicas da gasolina comercializada no Brasil. Porém, agora, a prioridade é tirar o enxofre do diesel.

Subproduto

O ozônio troposférico, poluente que forma o “smog” (não confundir com o estratosférico, que existe acima de 20 km de altitude e protege a Terra contra os raios ultravioleta), não é eliminado diretamente pelos escapamentos dos carros.

Ele resulta de uma reação entre os chamados compostos orgânicos voláteis (ou COVs, no jargão dos químicos) presentes nos combustíveis e a luz solar. Por isso ele é chamado de poluente secundário.

No caso específico da gasolina, explica o físico especialista atmosfera Paulo Artaxo, também da USP, o que determina a quantidade de ozônio produzido é o teor de dois tipos de molécula: as chamadas olefinas e os compostos aromáticos.

Quem olha os dados do estudo da USP não precisa ser muito bom em química para entender a diferença entre a gasolina refinada e a suja. O combustível da Califórnia, desde 2004, pode ter no máximo 4% de olefinas e 22% de compostos aromáticos por unidade de volume.

A brasileira, segundo a portaria 309 da ANP editada em 2001 e ainda em vigor, também em limites máximos, pode ter até 30% de olefinas e 45% de compostos aromáticos.

A diferença no teor de enxofre, aliás, também é grande. O limite no combustível californiano é de 15 ppm (partes por milhão) e na gasolina brasileira é de 1.000 ppm.

“A reformulação da gasolina é importante. Mas temos de dar prioridade ao diesel”, diz Artaxo. No caso do ozônio, explica o pesquisador, outras medidas igualmente importantes podem ser tomadas de imediato. “A inspeção e a regulagem dos veículos são duas delas”, diz, já que motores regulados queimam melhor o combustível.

Para que a gasolina brasileira colabore menos com a formação de ozônio -o gás é um dos principais poluentes que se formam em SP- a mudança na formulação química do combustível precisa ser radical.

As olefinas, segundo Martins, deveriam ser reduzidas em 86,6%. Os aromáticos em 22,2% e os benzenos em 30%.

Apesar de a modelagem feita por Martins servir apenas para a zona metropolitana de SP, engana-se quem acha que isso é um problema local. “O ozônio se espalha bastante, nós o exportamos ele para outras regiões”, diz a cientista, que agora vai começar a investigar outro problema ainda oculto: o real impacto do ozônio na saúde dos paulistanos.

Álcool também reduz “smog”, afirma cientista

A mesma redução de 43% nas concentrações de ozônio revelada pela simulação feita com o uso da gasolina da Califórnia pelos carros da região metropolitana de SP seria atingida se todos os consumidores optassem por encher o tanque com álcool, mostra o estudo da USP.

Mas o aparente ganho do biocombustível é imediatamente relativizado pela própria autora do estudo, a química Leila Martins. “Precisamos conhecer mais o impacto de toda a cadeia de produção do álcool para termos certeza de que é um processo realmente limpo.”

Nos seis cenários preparados para o estudo, o álcool e a gasolina californiana foram os que deram, de longe, os melhores resultados de toda a análise.

Nos outros quatro, os ganhos ocorreram, mas em menor escala. No cenário que simulou o uso da gasolina padrão da União Européia pelos carros da região metropolitana de SP, a diminuição na concentração de ozônio foi de 21%.

Ganho pequeno

Os outros dois casos simularam os padrões de gasolina que a ANP (Agência Nacional de Petróleo) estuda implantar no Brasil nos próximos anos.

“A situação, em relação à de hoje, praticamente não mudou”, disse Martins. A queda média na concentração de ozônio foi de apenas 11%.

No último cenário, fictício, Martins calculou um corte de 40% em todas as principais famílias químicas presentes na gasolina envolvidas com a formação do ozônio. O resultado, neste caso, ficou em 26%.

Além dos cenários, o modelo usado pela pesquisadora nascida em Londrina (PR) é alimentando com várias outras informações, todas reais.

A lista é formada por dados climáticos, informações sobre a poluição na cidade (do mês de setembro de 2004) e dados topográficos da região metropolitana de SP.
(Folha de SP, 31/8)

Fonte: Jornal da Ciência 3589, 02 de setembro de 2008.