Febre amarela tem novo perfil

27 de maio de 2009 - 07:15

Ministério da Saúde investiga frequência maior de surtos e casos em locais antes considerados livres da doença

Lígia Formenti escreve para “O Estado de SP”:

Uma equipe de médicos, veterinários e biólogos destacada pelo Ministério da Saúde iniciou há alguns dias uma investigação em campo para descobrir por que o comportamento da febre amarela mudou no País. Os surtos da doença, que tradicionalmente ocorriam a cada sete anos, passaram a ser menos espaçados.

A geografia também mudou – antes concentrada em alguns pontos do território, a febre amarela avança aos poucos para áreas que antes eram consideradas livres da doença. Os exemplos mais recentes estão no Rio Grande do Sul e no sudoeste de São Paulo. Juntas, as duas regiões, antes sem risco para febre amarela, registraram entre novembro de 2008 e abril deste ano 43 infecções, com 16 mortes.

Diante desse quadro, a equipe foi para a região onde os surtos estão ocorrendo. O objetivo é decifrar as causas da mudança e, principalmente, tentar antever quais os caminhos mais prováveis para a doença num futuro próximo. Com base nesses dados, epidemiologistas pretendem traçar uma estratégia para prevenir novos casos a curto prazo.

Os trabalhos de pesquisa começaram há três meses. Semana passada, um grupo de especialistas foi ao Rio Grande do Sul pesquisar as áreas afetadas, a última etapa do trabalho. O mesmo processo foi feito em São Paulo. A expectativa é de que, até julho, os resultados preliminares do trabalho estejam concluídos.

Na visita, os especialistas procuraram respostas para várias perguntas. Entre elas, se há aumento de criadouros do vetor da doença e se há tendência de migração de macacos – e por que isso estaria ocorrendo. A doença é transmitida pela picada de mosquito. Nas matas, macacos são o principal reservatório do vírus. “São várias as hipóteses para explicar essas mudanças”, diz a coordenadora adjunta do departamento de vigilância epidemiológica do ministério, Carla Domingues.

As mudanças climáticas são uma das primeiras razões lembradas. O clima mais quente favorece a proliferação do mosquito vetor da doença, o Haemagogus. O desmatamento, além de favorecer o aumento da temperatura, também pode causar o deslocamento de primatas para as áreas mais habitadas. Em São Paulo, a mudança pode ter sido provocada por alterações na agricultura, aumento da temperatura e obras na região. “A área afetada no Estado está muito próxima de represas. A combinação de vários fatores pode ter levado a essa mudança.”

Neste ano, por exemplo, a temperatura no Rio Grande do Sul foi bem alta, o que pode ter favorecido o aumento dos criadouros. “Por enquanto temos várias especulações. O trabalho pretende entender a dinâmica e, a partir daí, antever outras áreas suscetíveis à expansão da doença”, diz Carla. Com a confirmação das infecções, foi organizada campanha de vacinação nas cidades afetadas e áreas próximas.

Dados oficiais mostram que no Rio Grande do Sul 2,2 milhões de doses foram aplicadas. Em São Paulo, 1,5 milhão de pessoas foram imunizadas. “Esse número deve aumentar até o fim do mês, quando termina a iniciativa”, afirma Carla Domingues.

Mais vacina será comprada

O Ministério da Saúde vai ampliar a compra de vacina contra febre amarela para 2010. O aumento, de dimensão não definida, servirá para formar um estoque a ser usado em uma eventual mudança na estratégia de combate à doença. Com a febre amarela se alastrando, a previsão é de que, em 2010, haja a necessidade de ampliar as áreas em que a vacina é recomendada como rotina.

Não se sabe em quais regiões tal mudança se daria. Para isso, é preciso aguardar o resultado dos estudos encomendados pelo ministério para decifrar as causas das alterações no alcance da doença. Será também a partir das conclusões desse grupo que o ministério ampliará a compra da vacina. Para 2009, foram adquiridos 28,5 milhões de doses.

“Certamente para 2010 haverá um aumento”, adiantou a diretora adjunta do departamento de Vigilância Epidemiológica do ministério, Carla Domingues. Por enquanto, ela descarta a possibilidade de vacinação em massa. “A vacina pode ter efeitos colaterais. Não há por que expor a população a um risco desnecessário.” Mas admite que, a cada ano, a tendência é de haver número maior de regiões onde a vacina tem de ser incorporada ao calendário.

A equipe que pesquisa o comportamento da febre amarela tenta agora verificar quais são as próximas áreas de risco da doença. “A ideia é tentar desvendar a forma de expansão. Pesquisar ecossistemas parecidos, avaliar a necessidade de vacinar municípios contíguos ou que integram a mesma bacia hidrográfica”, disse. A expectativa é de que essa projeção esteja pronta em julho, quando será realizada a reunião com a Biomanguinhos, a fabricante da vacina.
(O Estado de SP, 21/5)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3766, de 21 de maio de 2009.