Estudo liga risco de câncer hepático a hipotireoidismo

28 de maio de 2009 - 04:08

Pesquisadores avaliaram 420 pacientes com câncer e 1.104 pessoas saudáveis. Segundo o trabalho, mulher com distúrbio tem risco 2,9 vezes maior de desenvolver tumor no fígado; o mesmo não se nota entre homens

Fernanda Bassette escreve para a “Folha de SP”:

Mulheres com hipotireoidismo (distúrbio que diminui a produção de hormônios) podem ter risco três vezes maior de desenvolver câncer de fígado do que aquelas que não têm a doença, sugere estudo realizado por pesquisadores do MD Anderson Cancer Center (EUA), publicado neste mês na revista científica “Hepatology”.

De acordo com os pesquisadores, se a mulher também tiver diabetes, o risco é aumentado em 9,4 vezes. E se ela somar o hipotireoidismo a hepatite B ou C crônica, o risco de ter a doença aumenta 31,2 vezes. A mesma condição não foi observada entre os homens – por razões ainda não explicadas.

O estudo foi realizado com base nas respostas a um questionário aplicado para 420 pacientes em tratamento contra o câncer no fígado e para um grupo controle, formado por 1.104 pessoas teoricamente sadias.

Entre os pacientes com câncer entrevistados, 12% afirmaram ter hipotireoidismo e, no grupo controle, 8% relataram ter a doença. Para os pesquisadores, a diferença é suficiente para estabelecer uma relação até então não quantificada entre as duas doenças.

Como o hipotireoidismo provoca uma deficiência na quantidade de hormônios circulando no organismo e altera toda a função metabólica -aumentando os níveis de colesterol, por exemplo -, os pesquisadores acreditam que isso pode aumentar o risco de a pessoa desenvolver esteato-hepatite (acúmulo de gordura no fígado) e, consequentemente, aumentar o risco de cirrose ou do desenvolvimento de um tumor.

A endocrinologista Ana Luiza Maia, chefe do Setor de Tireoide do Hospital das Clínicas de Porto Alegre e professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que o estudo tem um impacto muito forte por sugerir que a disfunção na tireoide, sozinha, apresenta um risco aumentado de a mulher desenvolver um tumor hepático – quinto câncer mais incidente do mundo.

“Os resultados me surpreenderam. Existem alguns estudos que relacionam o hipotireoidismo com problemas hepáticos [no caso, a esteato-hepatite], mas nenhum trouxe uma associação direta entre a disfunção tireoidiana e o risco de câncer”, afirma a professora.

Maia ressalta, entretanto, que o estudo não deixa claro se as mulheres que tratam adequadamente o hipotireoidismo também têm o risco aumentado. “Teoricamente, quem trata a doença não tem mais a alteração hormonal e não vai ter problemas hepáticos. Assim, sairia do grupo de risco”, diz.

A endocrinologista Laura Sterian Ward, vice-presidente do Departamento Nacional de Tireoide da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) diz que os resultados apresentados “parecem reais estatisticamente”, mas critica a metodologia.

“É um estudo que tem como referência as respostas pessoais dos pacientes. Os pesquisadores não dosaram os hormônios TSH e T4 [relacionados ao hipotireoidismo] no grupo controle para confirmar a existência da doença. Informação pessoal pode ter erro”, avalia.

Predisposição

Para Felipe José Fernández Coimbra, cirurgião oncológico e diretor do Departamento de Cirurgia Abdominal do Hospital A.C.Camargo, os resultados podem se tornar mais uma ferramenta de acompanhamento dos fatores de risco em mulheres com predisposição a câncer hepático (que somem alcoolismo, obesidade e diabetes).

“Não é todo mundo que tem hipotireoidismo que vai ter câncer. Esse é um dos primeiros estudos a mostrar uma relação direta entre a doença da tireoide e o aumento de risco para o tumor de fígado. Acho que os resultados mostram uma relação aumentada de risco e não de causa”, afirma Coimbra.

Para o cirurgião, os hepatologistas devem ficar mais atentos a alterações no funcionamento da tireoide. “Os dados são mais uma arma para prevenir o hepatocarcinoma, combinados ao tratamento da hepatite, do diabetes e do alcoolismo”.

Centro de pesquisa oncológica vai estudar respostas a terapias

Por que um doente de câncer responde bem ao tratamento e outro não? Essa é uma das questões a que uma rede composta por vários pesquisadores pretende responder a partir da criação do Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular, que vai funcionar no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira.

O centro, que está sendo construído com um investimento de R$ 12 milhões, vai coordenar uma rede composta por 20 grupos que atuam em pesquisa básica de câncer. A previsão é que ele esteja pronto até o segundo semestre de 2010, quando o instituto estará funcionando plenamente.

Segundo o professor titular de oncologia básica da USP Roger Chammas, um dos coordenadores do novo centro, os grupos já estão desenvolvendo pesquisas em seus próprios laboratórios enquanto a unidade não fica pronta. São pesquisadores do Hospital das Clínicas, do InCor e de outros institutos e departamentos da Faculdade de Medicina da USP.

Chammas afirma que a nova unidade funcionará como um superlaboratório com plataformas multiusuários, que vão permitir a otimização de recursos – já que pesquisadores de várias áreas poderão utilizá-lo – e a sistematização da coleta de dados, do processamento de amostras e da difusão dos resultados obtidos nas várias frentes de pesquisa.

“Vamos organizar um banco de espécie de amostras biológicas, com DNA, proteínas, soro, sangue e outras células derivadas de tumores extraídos em cirurgias. Isso é fundamental para entender como a doença se comporta”, explica Chammas.

A ideia é que essas informações possam ser agregadas à conduta clínica. Por exemplo, a amostra biológica de um tumor poderá ser confrontada com o tratamento usado no paciente para identificar padrões de respostas a essa terapia.
(Folha de SP, 22/5)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3767, 22 de maio de 2009.