Energia: Novos campos encontrarão mercado mundial aquecido

22 de setembro de 2009 - 06:31

Apesar do maior consumo de outras fontes de energia, demanda do petróleo não deve cair
Lourival Sant’Anna escreve para “O Estado de SP”:
 
Dentro de 10  a 15 anos, quando a camada de pré-sal estiver produzindo em larga escala, o consumo de outros combustíveis será maior do que hoje, assim como a eficiência do uso do petróleo. Mesmo assim, o petróleo que jorrará da Bacia de Santos terá mercado garantido, e a bom preço, segundo especialistas da indústria. Isso porque o crescimento da demanda de energia, como um todo, vai acompanhar esse aumento da oferta.
 
Em números redondos, o mundo consome hoje cerca de 500 quatrilhões de btus (british termal units, a unidade padrão de energia). Desses, em torno de 60% provêm de petróleo e gás. As previsões são de que, por volta de 2030, o consumo terá subido para entre 600 e 700 quatrilhões de btus. Petróleo e gás representarão então entre 40% e 50% da matriz energética, estima Nansen Saleri, presidente da Quantum Reservoir Impact, consultoria em petróleo de Houston (EUA).
 
“Pela primeira vez na era industrial moderna, haverá um mercado de energia realmente competitivo”, prevê Saleri. “O petróleo terá de proteger sua fatia de mercado.” De agente “dominante”, ele recuará para “proeminente”, define o especialista. Saleri acha que as energias nuclear, eólica e solar terão um papel mais importante que os biocombustíveis.
 
“O petróleo e o gás não vão sair de cena”, ressalva Saleri, que até 2007 era diretor de gestão de reservatório da Saudi Aramco, a estatal do petróleo saudita. “No pior cenário, ainda estarão sendo consumidos 85 milhões de barris por dia (mbd).” Esse é o nível do consumo atual. O teto da estimativa de Saleri chega a 100 mbd.
 
Roy Jordan, da Energy Market Consultants, de Londres, calcula que na próxima década a demanda de petróleo crescerá a cada ano 1 mbd, alcançando em 2020 a marca de 95,5 mbd. “As energias alternativas e o uso mais eficiente do petróleo manterão o crescimento da demanda relativamente baixo”, prevê Jordan, que foi diretor de informação de mercado e pesquisa da estatal petrolífera Adnoc, dos Emirados Árabes Unidos.
 
Grande parte desse consumo virá da Ásia, em especial da China, e também dos outros Brics (Brasil, Rússia e Índia). A população mundial crescerá dos atuais 6 bilhões para 10 bilhões nas próximas duas décadas. “As aspirações das pessoas e seus estilos de vida vão progredir”, explica Saleri.
 
Essas previsões, naturalmente, estão sujeitas às oscilações da economia, a instabilidades geopolíticas, ao ritmo do aquecimento global e a intempéries, como os furacões. Mas são elas que orientam os investimentos que o setor está fazendo hoje, e que em grande medida moldarão o futuro da indústria – incluindo o pré-sal brasileiro.
 
Jordan arrisca a previsão de que o barril estará custando entre US$ 100 e US$ 125 em 2020. Descontada a inflação prevista, ainda há um ganho real em relação ao preço de hoje, de pouco menos de US$ 70. “Quando a recessão acabar, a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) defenderá um piso de US$ 80”, prognostica Jordan. Isso será por volta de 2011. “A partir daí, haverá um suave movimento para cima.”
 
Mas e toda a movimentação em torno do etanol e de outras fontes limpas de energia, para atender às metas estabelecidas na Europa e nos Estados Unidos de redução da emissão de gases poluentes? “O etanol e outros biocombustíveis terão impacto limitado, na medida em que serão misturados com derivados do petróleo em pequenas proporções, entre 10% e 20%”, estima George Philippidis, pesquisador da Universidade Internacional da Flórida, em Miami.
 
“Nos Estados Unidos, o etanol representa 6% da gasolina consumida. No mundo todo, deve ser muito menos”, observa Philippidis. “Serão necessárias muitas décadas e comprometimento político dos governos no mundo todo para que nossa matriz energética seja diversificada numa proporção significativa.”
 
Philippidis, que veio fazer uma apresentação em São Paulo em novembro de 2007, ainda durante a euforia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o etanol, diz que não ficou surpreso com o deslocamento do entusiasmo do governo brasileiro dos biocombustíveis para o petróleo do pré-sal. “É natural que novas descobertas atraiam atenção”, pondera o pesquisador. “Espero que o país continue comprometido com combustíveis alternativos para ajudar a reduzir os gases do efeito estufa.”
 
De acordo com Jordan, o Brasil ainda tem um “papel importante a desempenhar” no setor dos biocombustíveis. Em relação ao petróleo, também, ele inclui o país entre os não integrantes da Opep que aumentarão sua produção nos próximos anos, ao lado de EUA e Canadá. Já Saleri observa que a produção futura do pré-sal brasileiro é importante para o Brasil e para a América Latina, mas não tem relevância no mundo. Os grandes atores continuarão sendo os mesmos de antes, encabeçados pela Arábia Saudita, que está investindo no aumento de sua produção. O reino produz 8,3 mbd; o Brasil, 2,6.
 
Saleri disse que não conhece os detalhes das condições do pré-sal nem da decisão do governo brasileiro de mudar o regime de concessão para partilha e de garantir a participação da Petrobrás na exploração de todos os lotes. “Mas, em princípio, numa grande bacia petrolífera, quanto mais diversidade e concorrência, melhor.”
 
Biocombustível deve registrar crescimento vertiginoso
 
A demanda por biocombustíveis pode não crescer o suficiente a ponto de prejudicar o mercado de petróleo, mas ainda assim terá um aumento vertiginoso nos próximos anos. Hoje, eles representam cerca de 3% dos quase 3 trilhões de litros de gasolina e diesel consumidos no mundo.
 
Em 15 anos, essa fatia será de no mínimo 12%, podendo chegar a 20%, segundo Weber Amaral, que coordena pesquisas sobre biocombustíveis na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, interior de São Paulo.
 
A fabricação de motores flex nos Estados Unidos (a maioria a gasolina) e na Europa (onde predomina o diesel), para atender às exigências de redução de poluentes, deve puxar essa demanda. Do lado da oferta, o etanol brasileiro, mais barato e que consome menos energia para ser produzido, terá um papel central.
 
A área de cana-de-açúcar plantada no Brasil, hoje de 8 milhões de hectares, deve aumentar para 14 milhões em 2019 e para 21 milhões em 2024 , calcula Amaral. Ele afirma que esse aumento não comprometerá a segurança alimentar. “Não é uma área grande”, diz o pesquisador. “A soja ocupa entre 21 e 22 milhões de hectares.” Tratores movidos a álcool ajudarão a melhorar o balanço energético da produção do etanol brasileiro – que consome uma unidade de energia para cada oito que produz, enquanto nos EUA a proporção é de um para dois.
 
Amaral acredita que a ênfase agora dada no pré-sal não prejudicará os investimentos em etanol. “O novo investidor, que virá de fora, é educado financeiramente”, descreve ele. “Não procura ganho rápido e não coloca todas as fichas no petróleo. Trabalha com o marco regulatório ambiental.”
 
Segundo o especialista, esses investidores incluem companhias petrolíferas, como a BP e a Shell, e empresas de biotecnologia. “O petróleo do pré-sal é importante estrategicamente, mas não terá nenhum impacto na expansão do etanol brasileiro.”
(O Estado de SP, 13/9)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3847, 14 de setembro de 2009.