Destino de resíduos causa controvérsias

5 de novembro de 2008 - 11:32

Para coordenadora do Instituto Polis, gestão de lixo no Brasil é “crime ambiental” cuja conta é paga exclusivamente pela população

Aldem Bourscheit escreve para o “Valor Econômico”:

O deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP) está otimista com os debates congressistas sobre resíduos sólidos e acredita que uma política nacional seja votada até o fim do ano. Ele coordena um grupo de parlamentares debruçados sobre mais de 140 propostas legislativas, apresentadas desde 1991. Mas, a trilha para que o Brasil tenha uma melhor gestão do lixo envolve questões como a polêmica responsabilização de geradores pela coleta e destinação de rejeitos. “Quem produz deve ter responsabilidade pelo destino do resíduo, do processo industrial ou das embalagens e outros itens em descarte final”, diz Jardim.

A medida também é defendida pelo governo e organizações não-governamentais, que vêem no repasse de custos ao setor privado uma alternativa viável e consolidada em países europeus. A idéia envolve o uso dos canais de distribuição de mercadorias para a coleta dos descartes, a chamada logística reversa. “As ações não serão unilaterais, serão regulamentadas após a aprovação da lei, quando todos os setores serão novamente chamados ao debate. Não haverá prejuízos ao desenvolvimento econômico”, afirma Silvano da Costa, diretor de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.

Conforme a coordenadora-executiva do Instituto Polis, Elisabeth Grimberg, a gestão de lixo no Brasil é um “crime ambiental” cuja conta é paga exclusivamente pela população. Nove entre dez municípios brasileiros têm coleta de lixo, mas seis em cada dez quilos de resíduos acabam em lixões a céu aberto. “A sociedade arca com todas as despesas. Com uma política, teríamos mais recursos para dar um fim correto aos resíduos e diretrizes para coletar e aproveitar materiais hoje simplesmente jogados fora”, ressalta a mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Segundo o presidente da consultoria Instituto Brasil Ambiente, Sabetai Calderoni, o Brasil desperdiça todos os anos cerca de R$ 10 bilhões , só por não aproveitar o lixo domiciliar. A conta chegaria às alturas se fossem incluídos resíduos da construção civil e dos variados ramos da indústria. “Poderíamos reduzir impactos na saúde e no meio ambiente e a pressão sobre recursos naturais, elevar taxas de reciclagem, gerar empregos e oportunidades industriais”, comenta o pesquisador.

Calderoni ressalta o modelo da Alemanha, onde milhares de carcaças se acumulavam sem qualquer uso. O setor automotivo foi estimulado a usar peças biodegradáveis, economizar energia e matérias-primas e a simplificar modelos de produção. “Isso trouxe grande aproveitamento de metais, vidros e borrachas”, conta. Lá as vendas de veículos podem ser taxadas, garantindo um melhor fim aos resíduos. Quanto mais amplas as possibilidades de reuso, menores as taxas. “Modelos produtivos foram revolucionados em países que adotaram boas práticas na gestão de rejeitos.”

Para a gerente de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Grace Dalla Pria, a logística reversa não é a melhor alternativa para a gestão nacional de resíduos. Segundo ela, o setor não pode ser responsabilizado pelos atos dos consumidores. “Não há controle sobre o que o consumidor faz com o produto depois do uso, mas quem tem endereço e CNPJ é a indústria. Daí fica fácil apontar o bandido”, comenta. Ela não exime a indústria de responsabilidades, mas pede que as mesmas sejam equilibradas. “Não será com um jogo de empurra-empurra de responsabilidades que se resolverá o problema dos resíduos.”

Elisabeth Grimberg, do Instituto Pólis, comenta que padrões de produção, de consumo e de distribuição não são debatidos com os consumidores. “A sociedade não pode arcar sozinha com custos de processos onde não participa das decisões. Não adianta seguir produzindo, vendendo e poluindo nos mesmos padrões”, diz. “É preciso reduzir a geração de lixo”, completa Costa, do MMA.

Dalla Pria, da CNI, comenta que o projeto de lei deve ser mais do que um instrumento de proteção ambiental, estimulando a reintrodução de resíduos em cadeias produtivas com incentivos econômicos e fiscais.
(Valor Econômico, 3/11)

Fonte: Jornal da Ciência, 3633, 03 de novembro de 2008.