Cura do câncer é mais difícil do que se imaginava
11 de setembro de 2008 - 10:18
Cientistas tentam identificar alterações de genes que causam o câncer
Depois de uma luta de anos para melhorar o tratamento de câncer, os cientistas agora esperam combater a doença com a ajuda das mesmas técnicas que decifraram o genoma humano oito anos atrás: fazendo o mapeamento dela.
Tradicionalmente, os cientistas começavam com uma vaga premissa a respeito de que medicamentos tóxicos podem matar tumores, depois os testavam em laboratório, em animais e, por fim, em seres humanos.
Isso ajuda a entender a razão pela qual, 35 anos depois que o presidente americano Richard Nixon declarou uma “guerra contra o câncer”, houve apenas um limitado progresso no tratamento da maioria dos 200 tipos de câncer que afligem a humanidade. Na maioria dos casos, “nós estendemos a vida um pouco, a um custo enorme”, diz Garth Anderson, do Instituto de Câncer Roswell Park, em Buffalo.
Os cientistas agora estão tentando eliminar as adivinhações com o uso de máquinas poderosas de seqüencialmente genético para identificar que alterações de genes causam cada tipo de câncer. A esperança é oferecer tratamento diferenciado a pacientes com base no perfil de cada tipo de tumor. Mas o panorama é extremamente complicado.
Por exemplo, os cientistas esperavam identificar certos genes-chave que tinham mutações freqüentes. Eles descobriram o oposto: um grande número de genes sofreu mutações, mas como frações menores dos tumores.
“Estávamos acostumados a pensar que havia um inimigo bem definido, mas sabemos que há uma grande quantidade de pequenos inimigos”, diz Victor Velculescu, pesquisador da Johns Hopkins. “Esta é uma nova era para a pesquisa de câncer”, diz Stephen Eldridge, professor de genética da Escola de Medicina de Harvard. Ele diz que o conhecimento da complexidade do câncer sugere que não vai ser fácil encontrar bons tratamentos.
Em três estudos divulgados esta semana, os pesquisadores oferecem um relatório detalhado das pequenas mutações genéticas que parecem estar ligadas a dois dos tipos de câncer mais letais: o de pâncreas e o de cérebro conhecido como gliobastoma multiforme. As descobertas sugerem que o sistema de câncer molecular parece muito mais complexo do que se imaginava.
Dois diferentes artigos publicados na “Science” sobre câncer pancreático e de cérebro são resultado de um projeto privado de genoma do câncer por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins. O estudo da “Nature”, também sobre o gioblastoma, é produto de projeto ainda maior financiado pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA, o NIH.
Depois de anos de tentativas e erros, duas drogas contra determinados tipos de câncer, como o Herceptin, para o câncer de mama, e o Glivec, para um tipo de leucemia, entraram em cena, provocando um grande interesse da indústria em agentes que atacam alvos genéticos do sistema celular de um tumor.
Mas a nova pesquisa sugere que a maioria dos tumores sólidos e de cérebro são bem diferentes desses, diz Bert Vogelstein, co-autor do artigo publicado pela “Science” e famoso pesquisador de câncer da Johns Hopkins. “Pode ser mais produtivo examinar seqüências específicas (séries de mudanças moleculares dentro da célula). Essa é uma perspectiva bem diferente” da abordagem hoje adotada pela maioria da indústria farmacêutica, disse.
Os pesquisadores disseram, nos estudos publicados na “Science”, que a análise genômica de 24 amostras de câncer de pâncreas encontrou uma média de 63 alterações genéticas que, por sua vez, estão presentes em 12 seqüências celulares, uma seqüência de possibilidades muito mais complexa do que se imaginava antes. Isso parece sugerir que ter as seqüências como alvo pode levar a novos tratamentos de câncer de pâncreas, dizem. Um aspecto negativo: essas seqüências também são responsáveis por várias funções biológicas importantes, o que significa que mexer nelas poderia desencadear efeitos colaterais severos.
O estudo da “Science” sobre glioblastoma, o mesmo tipo de câncer diagnosticado no senador americano Edward Kennedy, acompanhou mutações em amostras de 22 pacientes. O pequeno estudo acompanhou em detalhe um gene específico, o IDH1, que nunca antes havia sido vinculado ao câncer, e descobriu que os pacientes com as mutações do IDH1 tinham um tempo de sobrevivência mais longo, sugerindo uma nova estratégia de tratamento.
Mas George Miklos, um geneticista australiano cético quanto aos benefícios da análise das mutações genéticas, alega que esse tipo de análise não é prova de que as variações do IDH1 causem câncer de cérebro. “Se eu fosse uma farmacêutica, seria muito cauteloso para gastar US$ 500 milhões na produção de um medicamento baseado no IDH1”, diz ele.
A compilação das mutações de diferentes tumores pode transformar o diagnóstico de câncer. Parcelas do DNA e mesmo células inteiras podem com freqüência se desligar de tumores em estágio inicial e acabar no sangue. Isso sugere que os testes poderiam identificar a presença de um tumor antes que o paciente apresentasse sintomas, levando ao diagnóstico precoce e a um tratamento mais efetivo.
O estudo publicado na “Nature” foi feito pela Rede de Pesquisa e Mapeamento do Genoma do Câncer, um esforço cooperativo financiado pelo NIH. Lançado em 2006, o projeto é um programa piloto de US$ 100 milhões, com três anos de duração. A expectativa é de que passe a incluir 50 tipos de câncer humano.
Desvendar a complexidade do câncer “é uma tarefa leonina”, diz o professor Michael Stratton, diretor do projeto de genoma do câncer do Instituto Wellcome Trust Sanger. “Mas o poder da ciência é inexorável.” (Do “The Wall Street Journal) (Valor Econômico, 5/9)
Fonte: Jornal da Ciência 3592, 05 de setembro de 2008.