Cern vai além do acelerador de partículas
9 de setembro de 2009 - 06:37
Laboratório inventor da máquina que recriaria o Big Bang investe em mais projetos, como o da antimatéria
Renato Cruz escreve para “O Estado de SP”:
Os principais experimentos da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em francês) estão relacionados ao Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), um projeto que chegou a ser classificado como o maior experimento da física já realizado. No entanto, a máquina – que pretendia recriar o Big Bang – quebrou logo após a inauguração e só deve voltar a funcionar em novembro.
Mas nem todas as pesquisas do Cern estão relacionadas ao famoso LHC, conhecido também como acelerador de partículas. Outro projeto, chamado de Alpha, pretende armazenar átomos de anti-hidrogênio, resfriá-los e compará-los a átomos convencionais de hidrogênio. “É um trabalho para os próximos 10 ou 20 anos”, diz Michael Doser, pesquisador do Cern. Um dos mistérios é o comportamento da antimatéria em relação à gravidade. Já que as partículas têm carga contrária, existem dúvidas se os antiátomos seriam atraídos ou repelidos pela força da gravidade.
Outro projeto, o Cloud (Nuvem), tem como objetivo descobrir a influência dos raios cósmicos na formação das nuvens e, consequentemente, nas mudanças climáticas.
O Alpha tenta descobrir por que existe mais matéria que antimatéria no Universo. Logo após o Big Bang, quando a energia liberada começou a ser transformada em matéria, teoricamente as partículas e as antipartículas foram criadas na mesma quantidade. O motivo de a matéria ter vencido ainda é um mistério. Além do Alpha, a pesquisa no LHC vai procurar uma explicação para isso.
A existência da antimatéria foi proposta pelo físico Paul Dirac, em 1928. Ele previu que, para cada partícula de matéria haveria uma equivalente de antimatéria, com mesma massa e carga diferente. O elétron tem carga negativa e seu equivalente de antimatéria (pósitron), positiva. Existe pouca antimatéria na natureza. E isso torna o Universo um lugar mais seguro, porque, quando uma partícula de antimatéria entra em contato com uma de matéria, as duas se transformam em energia. Se houvesse a mesma quantidade de matéria e antimatéria, elas se aniquilariam.
A história do filme Anjos e Demônios inclui o roubo de antimatéria do Cern para ser usada como bomba. Segundo James Gillies, diretor de Comunicações do Cern, o diretor Ron Howard procurou a organização quando fazia o filme. “A ciência do filme é um pouco melhor que a do livro mas, se ele fosse consertar tudo, não haveria história”, disse. Pelo estágio em que a pesquisa se encontra, levariam cerca de 300 bilhões de anos para acumular somente um miligrama de antimatéria.
Os pósitrons e os antiprótons (prótons com carga negativa) podem ser armazenados em “garrafas” eletromagnéticas. Quando as duas partículas se juntam e formam o anti-hidrogênio, o campo eletromagnético não consegue conter o antiátomo, que não tem carga. O anti-hidrogênio acaba escapando do campo eletromagnético e deixando de existir alguns microssegundos depois.
O Alpha pretende armazenar os átomos de anti-hidrogênio, que não têm carga negativa ou positiva, mas possuem um momento magnético, que interage com certos campos eletromagnéticos.
Já o Cloud prevê a construção de uma câmara avançada de nuvens e uma câmara de reator, que permitirão recriar as condições de temperatura e pressão de qualquer ponto da atmosfera. Todas as condições experimentais serão controladas, incluindo intensidade dos raios cósmicos. “Acreditamos que o impacto dos raios cósmicos nas mudanças de temperatura devem ficar entre 10% e 20%”, disse Michael Doser sobre o Cloud. “Ou seja, de 80% a 90% do aquecimento global são causados pelo homem.”
Doser diz que os experimentos não relacionados ao LHC recebem menos recursos. São cerca de US$ 4,5 milhões por ano. Só o conserto do LHC custou US$ 27,5 milhões. A experiência consiste em fazer com que milhões de prótons percorram os 27 quilômetros dos túneis (entre a Suíça e a França) e se choquem. Essa aceleração das partículas ajudará a decifrar as leis que governam a evolução do Universo.
(O Estado de SP, 24/8)
Fonte: Jornal da Ciência 3834, 25 de agosto de 2009.