Células-tronco contra cegueira

27 de maio de 2009 - 07:16

Médicos brasileiros testam terapia inédita para tratar grave doença da retina

Antônio Marinho escreve para “O Globo”:

O uso de células-tronco pode ser uma esperança para o tratamento de problemas graves de visão, como a retinose pigmentar, que leva à cegueira.

Médicos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e do Hemocentro da Universidade de São Paulo (USP) realizaram o procedimento em três pacientes, e outros dois estão sendo preparados. Se der certo para retinose pigmentar — estima-se que no Brasil 40 mil pessoas sofrem desse mal —, o tratamento poderá ser testado em outras doenças, como a degeneração macular relacionada à idade (DMRI) e a retinopatia por diabetes.

A retinose pigmentar é hereditária e atinge um em cada cinco mil a sete mil recém-nascidos. E se manifesta até os 20 anos de idade. Hoje inexiste tratamento para impedir a degeneração progressiva da retina e a grave perda de visão. Daí a ideia de retirar as células da própria medula óssea desses pacientes, que em seguida foram processadas no Hemocentro e injetadas no vítreo do globo ocular (líquido gelatinoso na retina).

Meta é melhorar função da retina

Uma vantagem de usar as células-tronco do próprio indivíduo é que não há rejeição. A retina transforma os estímulos luminosos, a imagem, em impulsos nervosos, que são enviados para o cérebro através do nervo óptico. A expectativa dos médicos da USP é que as células-tronco injetadas liberem substâncias que favoreçam o funcionamento da retina, ajudando a recuperar parte da visão.

Nessa fase, o objetivo é saber se o procedimento é seguro para os pacientes. A experiência foi autorizada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), o órgão que regulamenta os estudos clínicos em seres humanos.

— Estamos muito otimistas com os resultados. As primeiras aplicações ocorreram há cerca de três semanas, os pacientes foram submetidos a uma bateria de exames e não apresentaram qualquer complicação.

Mas é preciso esperar pelo menos um ano para ter certeza de que tudo correu bem — diz o oftalmologista Rodrigo Jorge, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, um dos responsáveis pela experiência, ao lado do pesquisador Júlio Cesar Voltarelli e dos médicos André Messias e Rubens Siqueira.

Os voluntários na pesquisa apresentam a doença há mais dez anos e estão com a visão muito comprometida.

As injeções foram aplicações em apenas um olho de cada paciente. Acredita-se que as células-tronco possam estimular a formação de vasos sanguíneos e outros fatores, melhorando o funcionamento da retina.

— Quando fizemos o projeto, há sete anos, pensamos em incluir a DMRI e a retinopatia por diabetes nesse protocolo. Mas o comitê aprovou apenas para retinose pigmentar.

Agora, os pacientes serão avaliados durante 12 meses no que diz respeito ao funcionamento da retina — explica Rodrigo Jorge.

Ainda não há previsão para saber se as injeções com células-tronco recuperarão parte da visão e os médicos não querem criar falsas expectativas. Em pesquisas realizadas em camundongos nos Estados Unidos, há cerca de três anos, os resultados foram bons.

O procedimento é simples, dura cerca de 15 minutos. Mas os médicos levam pelo menos 12 horas para fazer a punção na medula óssea e processar as células-tronco em laboratório antes injetá-las. São realizadas várias coletas em cada indivíduo. Assim há material suficiente para repetir a aplicação das injeções, se for necessário.

Quem entrou no protocolo está confiante. A estudante de psicologia Fernanda Fernandes, de 22 anos, sofre com doenças oculares desde criança, inclusive estrabismo. Aos 5 anos começou a perder a visão e teve diagnóstico de retinose.

Aos 15 anos só tinha percepção de luz. Passou por vários tratamentos, inclusive no exterior, sem sucesso. Agora acredita que terá alguma melhora.

— Não havia mais o que fazer. Estou me sentindo ótima. O meu olho parece mais vivo, começa a responder positivamente e consigo ter alguma percepção de luz. A coleta das células foi tranquila e a dor da injeção suportável. Talvez esta seja a única opção para milhares de portadores da doença, mas precisamos esperar os resultados da experiência — diz Fernanda, paciente de Rubens Siqueira.

Saiba mais sobre as pesquisas

Tipos Celulares: Basicamente, há dois tipos de células-tronco. O primeiro são as de embriões, com capacidade de originar qualquer órgão e tecido do corpo humano. Existem também as chamadas adultas ou maduras, que são mais específicas. Todas as pessoas têm células adultas. Porém, elas existem em pequeno número e um dos grandes desafios dos cientistas é encontrar formas de separá-las, multiplicá-las e dar origem ao tipo de tecido do qual se necessita.

Rejeição: Como em qualquer transplante, há risco de rejeição. Porém, no caso do tratamento testado pela USP foram usadas células dos próprios pacientes o que eliminaria o problema.

Potencial: Células-tronco são consideradas uma das maiores promessas da medicina. Mas não deve se esperar resultados imediatos. Os estudos estão no início e serão necessários anos até que seja possível desenvolver tratamentos para doenças incuráveis, como mal de Parkinson e paralisias. Cientistas precisam aprender a manipular corretamente essas células e evitar que se multipliquem de forma indesejada, o que poderia ter consequências graves, como câncer.
(O Globo, 21/5)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3766, de 21 de maio de 2009.