Antecipação do parto de anencefálicos deve ser permitida, defende SBPC
14 de outubro de 2009 - 07:39
Entidade encaminhou documento ao Supremo Tribunal Federal (STF)
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) documento que sintetiza a posição das comunidades científica e médica sobre a antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos.
O documento, que tem o apoio formal do Ministério da Saúde e de outras 28 entidades, como sociedades científicas e associações de caráter civil, visa fornecer parâmetros científicos para o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 – uma ação impetrada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) que pede a legalização da antecipação terapêutica do parto nesses casos.
A anencefalia é uma grave malformação caracterizada pela ausência total do cérebro, da calota craniana e do couro cabeludo.. Apesar de não haver qualquer chance de vida para o feto após seu nascimento, a lei brasileira não prevê a antecipação terapêutica do parto. Quando esses casos são levados ao tribunal, as decisões dos juizes têm sido ora favorável, ora contra.
Alguns dos casos arrastam-se pelas instâncias da justiça, por causa de ações movidas por entidades religiosas. Confunde-se antecipação terapêutica do parto com aborto – prática que no Brasil só é permitida quando há risco de vida iminente para a mãe ou a gravidez é resultante de um estupro.
Argumentos científicos
“Essa situação dúbia significa uma tortura para as mulheres que querem interromper a gestação”, afirma a vice-presidente da SBPC, Helena Nader, que é professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“Encaminhamos esse documento na expectativa de que, à luz dos argumentos científicos, o STF dê à mulher o direito de escolha, de levar adiante ou não a gestação após o diagnóstico de anencefalia”, afirma. A professora lembra que, nesses casos, não se trata de um aborto e sim de uma intervenção terapêutica. “Aborto é tirar a vida; no caso do feto anencefálico não há qualquer possibilidade de vida”, ressalta.
Para o obstetra e geneticista Thomaz Rafael Gollop, que colaborou na elaboração do documento, o Estado não tem nenhuma justificativa para defender os interesses fetais neste caso. “A anencefalia é uma malformação irreversível, sem qualquer possibilidade de sobrevida para o feto; e seu diagnóstico é 100% preciso”, ressalta.
A incidência da malformação é alta no Brasil: um para cada 700 nascidos vivos. Além disso, há uma comprovada associação entre a anencefalia fetal e a frequência de complicações na gravidez, o que aumenta o risco de morbi-mortalidade da mãe. Isso sem falar no sofrimento psíquico, que pode levar a um quadro de estresse pós-traumático – um transtorno mental cujos sintomas podem persistir por toda a vida da mulher.
Avanço x retrocesso
A ADPF nº 54 impetrada em 2004 pela CNTS é uma das diversas tentativas da sociedade civil de reparar esta omissão da legislação brasileira. O tema já foi objeto de vários projetos de lei e até de uma liminar, concedida pelo ministro do STF Marco Aurélio de Mello, que chegou a autorizar o aborto de fetos com anencefalia, mas acabou sendo cassada pelo fato de o plenário do STF considerar que o assunto merecia a apreciação de todos os juízes.
Agora, com a ADPF nº 54, a expectativa da SBPC e das entidades subscritas no documento é que o STF se posicione a favor da ação, uma vez que esse instrumento dá aos juízes do Supremo poder de tornar a antecipação terapêutica do parto um direito de opção das mulheres. A ADPF pode ser impetrada sempre que um princípio da Constituição seja violado. No caso, submeter a mãe à tortura de ser obrigada a manter uma gravidez inviável e que possa comprometer sua saúde física e mental.
A íntegra do documento enviado pela SBPC ao STF está disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/links/documentoSBPCanencefalia.doc
(Informações da Assessoria de Imprensa da SBPC)
Fonte: Jornal da Ciência 3863, 06 de outubro de 2009.