A reinvenção da roda

10 de fevereiro de 2010 - 07:24

Desenvolvida por pesquisador brasileiro, a Pumplon Wheel é capaz de assumir diversos formatos, tornando os veículos aptos a enfrentar terrenos acidentados
Por volta de 3.500 a.C., os mesopotâmicos tiveram uma ideia que mudaria os rumos da humanidade: a criação da roda. De lá para cá, o conceito da peça não mudou, mas a necessidade de mais versatilidade e mobilidade em terrenos difíceis sempre esteve presente.
 
Agora, um brasileiro está prestes a reinventar uma das maiores descobertas da história. Osmar Vicente Rodrigues, professor de desenho industrial da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Bauru, desenvolveu uma roda capaz de mudar de formato de acordo com o terreno, superando com mais facilidade lama, areia, buracos e pedras.
 
“A possibilidade de controlar a área de contato e a pressão sobre a superfície é o que diferencia essa roda de todas as outras usadas nos últimos anos”, resume Rodrigues.
 
A peça foi batizada de Pumplon Wheel – em português, o pesquisador prefere chamá-la de “roda fora de estrada”. O termo pumplon, fusão das palavras pumpkin (abóbora, do tipo moranga) e melon (melão), dá uma ideia do seu funcionamento. “São as duas formas extremas que a roda pode assumir”, explica o pesquisador. Com diâmetro máximo e largura mínima, a roda fica no formato de moranga. Ela ganha sua forma mais estreita e enfrenta melhor terrenos lamacentos, pois aumenta a pressão de contato com o solo.
 
“É importante saber que lama não é tudo igual”, pontua Rodrigues. Segundo o pesquisador, se ela estiver muito úmida, será preciso que a roda funcione como uma faca. “Ou seja, precisa ser bem estreita, para que a pressão de contato seja maior”, ensina. Já se o lamaçal for mais seco, a roda deve ser mais larga, para permitir a flutuação. O mesmo raciocínio vale para a areia.
 
O formato inverso (diâmetro mínimo e largura máxima) é chamado pelo inventor de melão. Com essa configuração, a roda se torna excelente para enfrentar terrenos de areia fofa e, em caso de enchente, até flutuar na água. “O formato mais largo da roda também tem um impacto mínimo no terreno, evitando, assim, a erosão do solo ou a compactação”, completa Rodrigues.
 
O segredo da Pumplon Wheel está num eixo de aço capaz de se expandir e se retrair, por meio de um mecanismo rotativo, pneumático ou hidráulico. A ele estão conectados aros cuja deformação torna a roda mais larga ou mais estreita.
 
“O mecanismo interno que permite a alteração da roda é basicamente formado por um eixo axial rotativo e helicoidal, que ao girar permite que as laterais da se aproximem ou se afastem entre si, gerando a mudança na área de contato da roda com o terreno”, explica o pesquisador. O equipamento é à prova de perfurações e oferece propriedades de alta absorção de choque para proporcionar uma viagem mais suave.
 
A Pumplon foi objeto da tese de doutorado de Rodrigues no Royal College of Art, de Londres, um dos mais renomados centros de pesquisa em design do mundo. O cientista conta que trabalhava com os desafios do transporte de pessoas em áreas irregulares e acabou se envolvendo com a engenharia mecânica e desenvolvendo o projeto.
 
As universidades de Cambridge e Cranfield, também no Reino Unido, se interessaram pelo projeto, já que ele pode ajudar no deslocamento em situações adversas, como a neve. Entretanto, Rodrigues afirma que sua maior inspiração foi mesmo o Brasil, com seus inúmeros problemas de transporte.
 
Meio rural
 
Um dos casos avaliados pelo pesquisador é o transporte coletivo rural, particularmente o de cana-de-açúcar no interior paulista. Assim como as chuvas, que, de um dia para o outro, podem interditar uma via de acesso ao canavial, outro inconveniente é a compactação do solo, decorrente do tráfego de veículos pesados dentro da plantação, como tratores e colheitadeiras. “Com máquinas cada vez maiores e mais potentes, o solo fica compactado e a perda no plantio e na produção pode chegar a 20%”, avalia.
 
Rouverson Pereira da Silva, professor do Laboratório de Máquinas e Mecanização Agrícola da Unesp em Jaboticabal (SP), foi um dos poucos brasileiros que tiveram contato com o projeto da nova roda e reafirma a ideia de Rodrigues de que o invento teria grande função no meio agrícola.
 
“Em 2009, São Paulo teve problemas com chuvas e a colheita foi prejudicada, pois não tínhamos como trafegar com as máquinas no solo lamacento e úmido. O prejuízo foi enorme. Com a Pumplon, sem dúvida, a coisa teria sido diferente”, acredita Silva.
 
Outro fato levantado pelo criador da roda é a precariedade das estradas brasileiras. Cerca de 80% da infraestrutura rodoviária do país está comprometida e os investimentos para reforma e manutenção passam de milhões de reais todos os anos. A Pumplon poderia minimizar o desgaste das estradas, pois deixaria os veículos mais leves. “A área de contato como o chão e o peso do veículo seriam distribuídos, deixando-o mais leve”, esclarece.
 
Rodrigues também acredita que a economia de combustível pode ser outra vantagem do invento. “Ao mudar a forma e o tamanho da Pumplon, o impulso das forças geradas pode ser variado. Rodas maiores, por exemplo, aumentariam o impulso e, assim, o consumo de combustível seria menor, sem afetar a duração da viagem”, explica.
 
A pesquisa já resultou em três gerações de modelos – todos desenvolvidos no Royal College of Art -, nos quais foram testados mecanismos e materiais. Agora, o pesquisador busca financiamento para a construção de dois protótipos. O primeiro vai servir de base para que se faça, além dos testes em laboratório, a modelagem matemática e a simulação por computador do veículo nas suas dimensões reais.
 
“Isso vai resultar em alterações e aprimoramentos a serem aplicados ao segundo protótipo, que finalmente será testado no campo”, disse Rodrigues. Já Silva acredita que alguma empresa agrícola ou fabricante de pneus devem se interessar pelo invento. “Seria uma saída promissora para o desenvolvimento do setor agrícola, minimizando perdas. Acredito que algum consórcio se interesse pelo invento.”
(Silvia Pacheco)
(Correio Braziliense, 14/1)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3929, 14 de janeiro de 2010.