A genética da esquizofrenia

23 de julho de 2009 - 04:33

Mais de 30 mil mutações contribuem para a doença, revela maior estudo já feito

O maior estudo já feito sobre a esquizofrenia comprova o forte componente genético da doença: um terço de suas causas seriam resultado do efeito acumulativo de 30 mil mutações. O trabalho revelou também que erros numa misteriosa região do DNA humano aumentam de 15% a 25% os riscos de uma pessoa ter esquizofrenia.

Tais revelações fazem parte da pesquisa feita por um grupo internacional, que gerou três estudos independentes, publicados na revista “Nature”. A complexidade do problema, dizem os cientistas, torna muito difícil o desenvolvimento de testes de diagnóstico, mas as descobertas abrem caminho para novos tratamentos.

Mal é mais complexo do que se imaginava

O trabalho mostra que a esquizofrenia não tem uma única causa genética. Segundo os pesquisadores, a doença — que se caracteriza por distúrbios do pensamento, incluindo alucinações e alterações de comportamento — pode ocorrer não apenas por causa de raras variações genéticas, mas também pelo acúmulo de milhares de alterações comuns.

— A esquizofrenia parece um gigantesco e desconcertante quebra-cabeças, do qual encontramos apenas algumas peças — diz Thomas Insel, diretor do National Institute of Mental Health, a maior organização de pesquisa do mundo, especializada em saúde mental, que financiou os estudos.

Mesmo assim, os pesquisadores conseguiram identificar alguns genes ligados à essa doença crônica. Os estudos mostraram ainda que o transtorno bipolar tem bases genéticas similares às da esquizofrenia.

Os cientistas analisaram sete regiões de variação genética em 50 mil pessoas, algumas com a doença e outras saudáveis. Eles descobriram que os portadores apresentavam 15% mais variações em três áreas localizadas nos cromossomos 15 e 1.

Cinco dessas variações estão presentes num cromossomo que está ligado ao surgimento de doenças como o diabetes do tipo 1 e problemas imunológicos. Alguns cientistas chamam essa região de “Triângulo das Bermudas” do genoma humano.

— Sem dúvida, a localização dessas cinco variações nessa região, também ligada a doenças imunológicas, é intrigante — diz Pablo Gejman, diretor da NorthShore University, em Illinois, nos Estados Unidos, que participou dos estudos.

Além disso, os especialistas confirmaram que uma supressão já conhecida no cromossomo 22 está envolvida na doença. O desafio agora, dizem, é descobrir a influência exata que essas mudanças nos genes têm na esquizofrenia e como atuam para que a doença se manifeste.

— Há tantos genes envolvidos na doença que a ideia de predizer se alguém vai desenvolver esquizofrenia não parece muito provável — afirmou Michael O’Donovan, da University of Cardiff, que participou de um dos estudos. — Mas acredito que novas análises revelem muitas rotas genéticas para os sintomas da esquizofrenia.

Metade das ocorrências seria hereditária

Apesar dessa previsão, segundo os pesquisadores, ainda falta muito para que se obtenha um quadro completo de como essas falhas genéticas poderiam agir juntas ou separadamente para produzir os sintomas da esquizofrenia. Mas eles calculam, baseados em estudos sobre gêmeos idênticos, que metade dos casos de esquizofrenia é herdado, enquanto o resto tem outras causas.

Embora não tragam benefícios médicos imediatos, as descobertas revelam um pouco mais da biologia dessa doença, que atinge cerca de 1% da população, principalmente entre 15 e 35 anos. Isso pode levar melhores tratamentos para a esquizofrenia.

Preconceito retarda diagnóstico

No Brasil, estima-se que a esquizofrenia atinja cerca de 1,8 milhão de pessoas. Como retrata o personagem Tarso, da novela “Caminho das Índias”, de Gloria Perez, o preconceito ainda é um dos principais motivos para o atraso no diagnóstico da doença.

— Existem muitos preconceitos em torno da doença — afirma Mário Louzã, coordenador do Projeto Esquizofrenia, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. — Ainda é muito comum a esquizofrenia ser confundida com depressão, crise de adolescente ou mesmo uma esquisitice passageira. E quanto mais tardio o diagnóstico, mais difícil é o seu controle.

Em geral, a esquizofrenia começa a se manifestar no fim da adolescência e no início da vida adulta, com alterações nas atitudes dos portadores da doença, que acabam por interferir no seu convívio social.

O tratamento é feito com antipsicóticos, que podem também ser associados com a psicoterapia.
(O Globo, 2/7)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3796, 02 de julho de 2009.