Brasil e Cuba firmam novos projetos em biotecnologia

1 de setembro de 2010 - 06:16

Planejado para discutir novos projetos com foco no desenvolvimento e utilização de biofármacos de alta tecnologia, o Seminário Técnico-científico Brasil-Cuba sobre Biotecnologia contou com representantes do governo, pesquisadores e instituições de saúde de ambos os países
O evento, organizado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (Sctie/MS), foi realizado em julho, no Rio de Janeiro. O encontro estabeleceu uma plataforma de trabalho binacional com a participação de entidades como o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a Fiocruz, a indústria farmacêutica, entre outras.
 
O objetivo é garantir, no futuro, o amplo acesso de pacientes dos dois países a medicamentos de baixo custo.
 
A parceria consagrada entre os países já colheu bons frutos. Vários convênios concluídos ou em andamento foram apresentados durante os dois dias de trabalho e novas propostas foram incorporadas nas prioridades de cada país. O Seminário, para muitos dos participantes, será um marco para a história da ciência e saúde.
 
Para a diretora nacional de Ciência e Técnica do Ministério de Saúde Pública de Cuba (Minsap), Niviola Cabrera, o encontro foi muito importante para a troca de experiências de tecnologias e a procura de novos projetos que possam gerar produtos de qualidade e melhorar a saúde pública.
 
Segundo o chefe oficial do Pólo Científico de Cuba, José Goicochea, o governo cubano tem como prioridade o desenvolvimento cada vez mais intenso do sistema de saúde, a produção qualificada de recursos humanos, plataformas tecnológicas estabelecidas e o acesso da população a produtos de qualidade e baixo custo.
 
Para ele, o seminário contribui muito para isso, pois consolida os projetos já consagrados pela parceria com o Brasil e abre portas para a produção de mais convênios de sucesso entre os países. “A ciência e suas produções deveriam ocupar algum dia o primeiro lugar na economia nacional”, afirmou.
 
O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, ressaltou que a importância das relações exteriores tem crescido exponencialmente na área da saúde por conta de doenças “que não respeitam territórios”.
 
Na avaliação de Reinaldo, esse encontro é resultado de muito esforço entre brasileiros e cubanos para promover o avanço da biotecnologia. Ainda de acordo com o secretário, cerca de US$ 120 bilhões são destinados à cooperação norte-sul, mas pouco se investe na relação dos países sul-americanos. “Esse quadro precisa mudar. Os nossos interesses precisam ser mais ressaltados”.
 
A demanda nacional em saúde, de acordo com o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Carlos Gadelha, corresponde a 8,4% do Produto Interno Bruto (PIB).
 
Gadelha acredita que é preciso ter a saúde como contribuidora do desenvolvimento e os setores industriais em articulação com os serviços de saúde para ligar a demanda tecnológica e o acesso desta por parte da população. “Se somarmos nossas tecnologias e recursos, conseguimos combater o domínio dos Estados Unidos na balança comercial da saúde e na biotecnologia”.
 
Cinco projetos foram apresentados em parcerias público-privadas e público-público. Duas destas, realizadas entre Bio-Manguinhos e o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia de Cuba (CIGB), produziram biofármacos para o tratamento de hepatites, o interferon alfa 2b humano recombinante e o interferon peguilado.
 
O último ainda espera liberação do controle de qualidade para registro do produto em 2014 e tem distribuição prevista para 2015. Esses projetos auxiliam o fortalecimento da produção nacional de bioterapêuticos, a redução dos gastos do Ministério da Saúde com insumos estratégicos e a ampliação do acesso a produtos de alto valor agregado.
 
Outra proposta de Bio-Manguinhos com o Centro de Imunologia Molecular (CIM) lançou a eritropoetina humana recombinante, utilizada para tratar quadros de anemia e pacientes oncológicos na quimioterapia. Mais de 28 milhões de doses foram distribuídas desde 2006. Já a parceria com o Instituto Finlay (Cuba) rendeu uma vacina para meningites A e C.
 
Em agosto de 2006, um plano de ações foi elaborado entre o Instituto e Bio-Manguinhos para atender a demanda emergencial da Organização Mundial da Saúde (OMS) de reduzir os quadros da doença na região da África, conhecida como o cinturão africano. Desde dezembro de 2007, foram produzidas 12 mil doses e mais de 11 milhões foram fornecidas para a área atingida. Este ano, cerca de três milhões de vacinas foram aplicadas.
 
A parceria público-privada foi realizada com a empresa farmacêutica Eurofarma e o Cimab para a produção de anticorpos monoclonais (mAb, na sigla em inglês). Em 2006, o contrato foi fechado pelas instituições para a produção de um anticorpo indicado para tumores cerebrais pediátricos.
 
Em 2009, as duas instituições produziram a vacina terapêutica de câncer de pulmão (cimavax), que espera liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em 2010, foi aprovado pela Anvisa o mAb para tratamento de glioma pediátrico como droga órfã, o primeiro a ser lançado no Brasil por uma companhia 100% nacional. Ainda este ano, em parceria com o Inca, a Eurofarma está testando um anticorpo monoclonal para o tratamento de câncer de esôfago.
 
O diretor do Centro de Imunologia Molecular (CIM) de Cuba, Agustín Lage, explica que os anticorpos monoclonais (base do tratamento de tumores malignos que interfere apenas nas células doentes) e as vacinas terapêuticas terão, num futuro próximo, grande importância no arsenal de medicamentos eficazes dos oncologistas. “Das cinco principais drogas para tratar esse tipo de tumor, quatro são anticorpos monoclonais”, afirmou o médico cubano.
 
Estudos mostram que 80% da produção mundial destes anticorpos são consumidos exclusivamente nos Estados Unidos, 15% na Europa e apenas 5% pelo resto do mundo. Cuba é o único país da América Latina que produz este medicamento e a ideia central da cooperação entre o Brasil e a ilha caribenha, neste campo, é fortalecer o desenvolvimento dessa técnica.
 
Formação
 
Com a produção intensiva de vacinas por Cuba, o país já conseguiu muitos avanços no combate a doenças, como por exemplo, a redução de casos de hepatite B, que em 2009, apresentou somente quatro casos. A rubéola foi eliminada em 1995 e o sarampo, em 93. Há quatro anos o país não registra nenhuma morte por tétano.
 
O diretor do Centro de Imunologia Molecular (CIM) de Cuba, Augustín Lage, afirma que a solução está na formação de profissionais. “Isso que vai garantir o desenvolvimento da tecnologia”, ressaltou.
 
Além da produção de vacinas, Cuba já investiu muito no cultivo industrial de células, já lançou uma planta de produção de anticorpos na Índia e contribuiu para a primeira instalação de células animais no Brasil. “A região brasileira possui uma diversidade biológica muito vasta e o Centro de Biotecnologia da Amazônia auxilia nestas novas descobertas”, afirma Lage.
 
A técnica do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (Decit/Sctie/MS), Mônica Fragoso, explanou sobre a participação do Ministério na pesquisa em saúde no Brasil. De 2003 a 2010, 217 editais foram lançados e mais de três mil pesquisas foram financiadas com um investimento de R$ 624 milhões.
 
A técnica citou as várias formas de fomento à pesquisa utilizadas pelo órgão, dentre elas, o Programa de Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em saúde (PPSUS), implantado em 27 estados. Segundo Mônica, o Ministério pensa em um novo modelo de fomento à pesquisa em saúde e um novo olhar para as políticas públicas na área. “O que deve ser prioridade nesse processo é a inclusão da população no acesso a fármacos, medicamentos e demais insumos para a saúde que falem português”, ressalta.
 
GTs
 
No segundo dia, vários grupos de trabalho foram divididos por temáticas e cada um apresentou projetos futuros a serem desenvolvidos em novas parcerias. Na área de neurociências, o diagnóstico precoce de doenças cerebrais, novas tecnologias para mapeamento cerebral humano, pesquisa neonatal e otimização do manejo do acidente cérebro-vascular foram algumas das propostas apresentadas.
 
Em pesquisa clínica, a discussão levou a pontos chaves que demonstram a necessidade de melhorar a prática nesta área, como, por exemplo, identificar profissionais capacitados para ensaios clínicos e o desenvolvimento de software comum para registros públicos das pesquisas clínicas de Cuba e Brasil.
 
Na área de biotecnologia no controle do câncer, foram discutidos 11 projetos voltados ao tratamento de tumores malignos com a utilização de anticorpos monoclonais. O Nimotuzumab, por exemplo, desenvolvido em Cuba para combater tumor cerebral infantil, está sendo testado para ser aplicado também contra câncer de esôfago e de colo do útero.
 
Quanto às vacinas terapêuticas, tanto o CIGB quanto o Inca, desenvolvem estudos que serão submetidos a um intercâmbio bilateral de informações nos próximos meses.
(Informe Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde)

 

Fonte: Jornal da Ciência 4077, 18 de agosto de 2010.