Fibra de cristal: um material com a cara do século 21

23 de junho de 2010 - 06:37

Universidade Estadual de Campinas inicia estudos para comprovar as inúmeras utilidades do material
Apesar de ter sido desenvolvida no final da década de 90, só agora a tecnologia de fabricação da fibra de cristal fotônico atingiu maturidade. O desenvolvimento de novas pesquisas e possíveis aplicações prossegue com intensidade por especialistas de diferentes áreas.
 
O material já se tornou objeto de estudo de biólogos, engenheiros, físicos e químicos, que veem no fio, quase invisível, milhões de possibilidades, como a medição da adulteração de gasolina e da quantidade de bactérias em determinados meios. Recentemente, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) iniciou uma série de estudos para comprovar as inúmeras utilidades do cristal fotônico e sua empregabilidade no mundo moderno.
 
A fibra de cristal fotônico, também chamada de fibra microestruturada, tem sua construção externa muito parecida com a fibra óptica convencional, mas no interior do fio existe um grande diferencial.
 
De acordo com Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, professor do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp e especialista na área, a diferença são buracos de ar que atravessam o fio de ponta a ponta e formam uma matriz. Essa dinâmica torna o produto manipulável e sensível de acordo com as necessidades, o que não acontece com a fibra óptica convencional que é totalmente preenchida.
 
“A fibra de cristal fotônico tem centenas ou dezenas de buracos de ar com diâmetros diminutos. A presença dos canais de ar permite o ajuste das propriedades da fibra de maneira mais profunda”, explica o especialista.
 
Além do maior domínio da estrutura, a presença dos buracos de ar permite o uso da fibra para aplicações que não são típicas de fibra óptica. Segundo o professor, a ideia para as microestruturadas é guiar a luz com baixa perda, como acontece com a fibra óptica convencional. Mas a diferença estrutural do cristal fotônico permite que as aplicações deixem de ser apenas no campo da comunicação óptica para atingir outras áreas como medições químicas e biológicas.
 
“Não estamos falando de substituição. A fibra óptica convencional cumpre muito bem sua função de comunicação, mas a de cristal fotônico vai além. Muitas pesquisas estão sendo desenvolvidas em laboratórios no ramo da biologia, física e mecânica”, disse o professor. Segundo Cristiano, no laboratório do Instituto de Física da Unicamp, os alunos já trabalham com medição de bactérias e de pressão hidrostática, como a medida de alta pressão encontrada, por exemplo, no leito do oceano.
 
Um dos trabalhos mais recentes com a fibra de cristal fotônico é que, além do núcleo e de toda a microestrutura, dois fios metálicos estão integrados dentro da fibra. Isso permite que, além do sinal luminoso, uma corrente elétrica seja transmitida concomitantemente.
 
Segundo Cordeiro, o aquecimento do fio pela corrente elétrica resulta na expansão e compressão da estrutura da fibra – características que permitem a manipulação da mesma. “A fibra está sujeita ao aquecimento ou não aquecimento e a compressão ou não-compressão do núcleo, responsável pela alteração da propriedade da luz”, diz. Segundo ele, isso possibilita a construção de vários tipos de dispositivos que podem ser controlados externamente.
 
Experimental
 
Para Cordeiro, no interior da fibra de cristal fotônico não vai passar só luz, mas também vai contar temperatura e pressão mecânica. “A introdução de novos graus de liberdade na fibra, como corrente elétrica, temperatura e compressão mecânica está sendo feita em poucos lugares. É uma aplicação nova e promete muitos resultados”, afirma o professor. O trabalho envolve a parte experimental e a simulação numérica dos vários efeitos combinados – este último em colaboração com o Instituto de Estudos Avançados, em São José dos Campos.
 
As propriedades mecânicas da fibra de cristal fotônico também têm sido objetos de estudos. Colocada sob uma pressão hidrostática, como se estivesse a 5 mil metros de profundidade do oceano, o que corresponde a uma pressão de 500 atmosferas, é possível observar alterações como a distribuição do estresse na fibra e de que maneira é alterada sua propriedade óptica. “Além de permitir o ajuste das propriedades ópticas, a fibra microestruturada permite o ajuste das propriedades mecânicas”, explica o professor.
 
Material convencional é feito para ser insensível
 
A fibra convencional é feita propositalmente para ser insensível ao ambiente externo. Grandes extensões de fibras ópticas subterrâneas estão instaladas sob rodovias no mundo todo e, segundo Cristiano Cordeiro, independentemente do grande movimento de carros e caminhões e das condições do tempo, como chuvas torrenciais, elas prosseguem enviando dados.
 
“Agora, se a ideia é utilizar a fibra para monitorar ambientes com gases tóxicos, condições de temperatura e pressão, até mesmo líquidos contaminados por bactérias, é preciso tornar a fibra sensível ao ambiente externo, o oposto da técnica convencional”, diz Cordeiro.
 
Mas, segundo o especialista, não existe a possibilidade de substituição da fibra óptica convencional pela fibra de cristal fotônico. “O parque de fibra óptica instalado ao redor do mundo é enorme e só ia valer a pena substituir tudo isso se o ganho fosse proporcional. Tecnologicamente falando, as qualidades de transmissão são muito semelhantes às já existentes, o que também não justifica a mudança”, afirma.
(Inaê Miranda, do portal Cosmo Online)

 

Fonte: Jornal da Ciência 4026 – 08 de junho de 2010.