Medicamento para animais é esperança contra mal humano
23 de junho de 2010 - 06:30
Oncocercose, causada por verme, afeta milhões de africanos, e remédio atual está perdendo eficácia
Pela segunda vez, um feito raríssimo aconteceu: uma droga veterinária, empregada contra parasitas de bois e ovelhas, demonstrou ser eficaz contra a oncocercose, doença tropical que causa lesões na pele e cegueira. Há 18 milhões de pessoas infectadas, 99% das quais na África ao sul do Saara.
A droga ivermectina, comercializada com o nome Mectizan, era usada para tratar parasitas em cachorros quando se descobriu, na década de 1980, que ela também podia tratar a oncocercose. A companhia farmacêutica Merck começou então um programa de doação da droga em países africanos e das Américas. No Brasil, há um foco na fronteira com a Venezuela, entre os índios ianomâmis.
Mas pesquisas recentes mostraram que o parasita da doença, verme conhecido como Onchocerca volvulus, pode estar começando a adquirir resistência contra a ivermectina. “Toda vez que você administra uma droga por muito tempo, ou tem a administração interrompida, há chance de resistência”, disse à Folha o líder do estudo que achou a nova droga, Kim Janda, do Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia.
A busca por uma nova droga foi possível graças à descoberta recente de uma enzima importante para o verme, a quitinase. Seu papel exato no metabolismo do verme ainda é desconhecido. Mas a quitina, a substância que ela “quebra”, é fundamental para o metabolismo de invertebrados pelo seu papel na estrutura do organismo.
Para achar uma droga que agisse contra a quitinase, a equipe de pesquisa testou as 1.514 drogas disponíveis na Biblioteca de Compostos Clínicos Johns Hopkins. Foram achadas quatro drogas com ação contra o novo alvo, mas apenas o closantel teve um efeito potente. Mais ainda, a droga foi altamente específica, agindo contra a quitinase do verme, mas não afetando outras enzimas similares. Resta saber quando e como a droga poderá ser testada em seres humanos. “Eu não sei a resposta, mas nós enviamos a droga para colaboradores na África para avaliá-la”, afirmou Janda.
(Ricardo Bonalume Neto)
(Folha de SP, 6/4)
Fonte: Jornal da Ciência 3983 – 06 de abril de 2010.