Patentes: a Justiça faz justiça, artigo de Nelson Brasil de Oliveira e Pedro Marcos Nunes Barbosa
16 de dezembro de 2009 - 06:39
“Entendimento ficará como um marco da Justiça brasileira na defesa da indústria nacional contra o abuso do direito de patente por parte de grandes corporações multinacionais”
Nelson Brasil de Oliveira é vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina). Pedro Marcos Nunes Barbosa é sócio do escritório Denis Barbosa Advogados. Artigo publicado no “Correio Braziliense”:
Duzentos anos após a promulgação da primeira lei brasileira de patentes – um alvará editado pelo príncipe-regente dom João VI concedendo proteção legal por 14 anos às marcas, patentes e desenhos industriais -, o Poder Judiciário deu há pouco firme demonstração de entendimento do significado desse privilégio para o desenvolvimento socioeconômico do país.
Trata-se da decisão unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça de negar a extensão do prazo de patentes concedidas ao abrigo do regime anterior à Lei nº. 9.279 (atual Lei de Patentes).
Esse entendimento ficará como um marco da Justiça brasileira na defesa da indústria nacional contra o abuso do direito de patente por parte de grandes corporações multinacionais. Trata-se, no âmbito jurídico, de preservar o consagrado princípio da não retroatividade da lei, ainda mais quando aplicada a tecnologias que já se encontravam em domínio público em meados dos anos 90.
No intuito de contribuir para a formação de massa crítica no âmbito do Poder Judiciário nas questões de patentes que envolvem o setor da química final, a Abifina vem acompanhando há cerca de três anos os processos movidos contra o INPI por empresas multinacionais contrariadas em tentativas de prolongar, sem base legal, seus direitos patentários.
Como parte desse trabalho, a entidade municia os tribunais com dados sobre a significação econômica e social das patentes nas áreas contempladas – principalmente os programas públicos de saúde pública -, mostrando a evolução dos preços e o custo para a população decorrente da indevida prorrogação desses monopólios.
Essa forma de atuação, conhecida no meio jurídico como amicus curiae, visa auxiliar o magistrado, esclarecendo conceitos que possam ser por este desconhecidos mas que são de extrema relevância para uma mais adequada prestação da tutela jurisdicional. Como os limites processuais são instaurados pelo autor da ação judicial, é muito comum a omissão e a descaracterização de fatos e atos e, nesse contexto, a atuação do amicus curiae contribui para evitar distorções na interpretação dos autos.
A natureza jurídica do amicus curiae ainda é uma questão controvertida, havendo quem a entenda de forma preconceituosa, como uma espécie de intervenção atípica, de assistência, ou mesmo como nova modalidade de intervenção de terceiros. No entanto, já entendeu o STF por meio do voto do ministro Celso de Melo que o amicus curiae é simplesmente um “colaborador informal da corte”, não configurando a hipótese de intervenção de terceiros.
De fato, também não há como ser confundido com a assistência, caracterizada pela parcialidade da conduta visando a um provimento final favorável a uma das partes. O amicus curiae é interessado na própria questão jurídica em debate, não importando em que sentido será prolatada a sentença, o que não impede que, em casos concretos, tenha interesse por determinado resultado.
Por outro lado, é justo que se exijam da instituição que pretende auxiliar a corte alguns requisitos. O primeiro deles é longa e sólida experiência em âmbito nacional, visando evitar que entidades locais, sem tradição na área em questão, sejam mobilizadas para intervir em favor de interesses específicos. Outro requisito é provar que os interesses em causa ultrapassam o patrimônio jurídico dos litigantes, o que depende da resposta afirmativa à seguinte pergunta: o resultado da lide impactará sensivelmente a sociedade? Por último, exige-se que o “amigo da corte” tenha expertise no setor pertinente ao debate judicial.
Atualmente, por empenho próprio e também pela interlocução qualificada que a figura do amicus curiae propicia, os magistrados do TRF da 2ª Região incumbidos de julgar ações de propriedade intelectual têm clara percepção dos interesses em jogo, conhecem a fundo a legislação de propriedade intelectual como também suas implicações econômicas e sociais, e demonstram estar bem informados sobre o que ocorre no mundo nessa área. É isso o que a sociedade espera do Poder Judiciário: que pense o país como um todo, para que possa, efetivamente, fazer justiça.
(Correio Braziliense, 15/10)
Fonte: Jornal da Ciência 3869, 15 de outubro de 2009.