Brasil quer quebrar patentes para retaliar EUA

10 de setembro de 2009 - 06:34

Remédios devem ser o alvo da retaliação

Jamil Chade escreve para “O Estado de SP”:

 

O governo federal já conta com uma nova medida provisória que permitirá a adoção de retaliações contra os Estados Unidos, por meio da quebra de patentes. O projeto, mantido em sigilo, está apenas esperando que na segunda-feira a Organização Mundial do Comércio (OMC) autorize o Brasil a aplicar sanções em direitos de propriedade intelectual.

 

Nessa data, a entidade máxima do comércio vai anunciar, após sete anos de disputa, o valor e a forma pela qual o Brasil poderá retaliar os EUA pelas irregularidades no comércio de algodão.

 

A guerra começou em 2002 e atravessou todo o governo George W. Bush. Mas os EUA utilizaram todos os mecanismos para retardar a condenação. Os subsídios ao algodão foram condenados pela OMC, numa decisão que simbolizou a vitória dos países em desenvolvimento contra o sistema agrícola dos países ricos, que há 40 anos provocava distorções.

 

O problema é que o governo americano nunca retirou os subsídios. O Brasil também já havia sido autorizado a retaliar em 2005, mas preferiu um entendimento com Washington, esperando que o subsídio fosse suspenso sem que fosse necessária alguma sanção, que causaria um desgaste político.

 

De novo, nada ocorreu. O Brasil, em julho do ano passado, decidiu pedir o direito de retaliar os americanos em US$ 2,5 bilhões. Os americanos questionaram o valor e alertaram que apenas aceitariam retaliação de pouco mais de 1% do valor defendido pelo Brasil, de US$ 30 milhões. Uma decisão sobre qual seria o montante deveria ter sido dada ainda em 2008. Mas a direção da OMC vem adiando a decisão diante da pressão política.

 

Na prática, trata-se de um dos casos mais polêmicos do comércio internacional. As retaliações são autorizadas pela OMC sempre que um país ganha uma disputa comercial e o governo condenado não cumpre a determinação dos juízes. A sanção seria uma forma de penalizar o país por não seguir as regras internacionais e, ao causar prejuízos, pressionar para que as irregularidades sejam corrigidas.

 

O Brasil tem pelo menos duas formas de aplicar as retaliações. Uma seria elevando as tarifas para bens americanos. Mas o governo avalia que essa seria uma forma limitada de pressionar o governo americano em um setor que financiou parte da campanha de Barack Obama. Com exportações de mais de US$ 800 bilhões por ano, os americanos não se sentiriam pressionados a mudar suas práticas por causa de uma retaliação que, no máximo, chegaria a US$ 2,5 bilhões durante alguns anos.

 

A segunda opção, preferida por parte do Itamaraty, é tentar aplicar retaliações em outros setores, como patentes e serviços audiovisuais. A ideia é que um produto importado com patente possa ser produzido localmente como retaliação, suspendendo o direito de propriedade intelectual.

 

Remédios devem ser o alvo da retaliação

 

A fabricação local de um produto importado com patente, suspendendo o direito de propriedade intelectual, é conhecida como “retaliação cruzada”, e pode ser adotada como resposta ao governo dos Estados Unidos no caso dos subsídios ao algodão, com aval da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para que isso seja possível, o governo precisa criar uma nova lei permitindo a ação. Tanto o Itamaraty como o setor do algodão revelaram ao Estado que uma medida provisória já foi preparada e está para ser publicada, em coordenação até mesmo com o Ministério da Saúde.

 

A ideia é de que, ao tocar em um tema sensível para os americanos como o das patentes de remédios, o Brasil conseguiria forçá-los a rever seus subsídios. Nos últimos anos, o governo vem enfrentando os Estados Unidos em várias entidades no que se refere ao direito de produção de remédios genéricos para o combate à aids.

 

Mais recentemente, o Brasil também entrou em choque com os Estados Unidos em relação ao acesso às amostras do vírus H1N1 que seriam usadas para fabricar vacinas contra a gripe suína. O setor farmacêutico já deixou claro que não vê com bons olhos a decisão do Brasil, já que afetaria um setor que não tem relação com a disputa.

 

Os produtores de algodão no Brasil querem que o Itamaraty aplique uma retaliação contra o governo americano e não admitem acordo. “Queremos que a pressão seja exercida para garantir que os subsídios serão retirados”, disse ao Estado o presidente da Associação Brasileira de Produtores de Algodão, Haroldo Cunha. Ele conta que, em advogados, já gastou US$ 3,5 milhões nos últimos sete anos.

 

“Agora queremos os benefícios. O que está em jogo não é apenas o setor, mas a credibilidade da OMC.” A Abrapa garante que fará “muita pressão” para que a retaliação seja usada para garantir o fim dos subsídios. “A retaliação em si não nos beneficia. Mas temos de usá-la para garantir que haverá uma ação dos americanos”, disse Cunha.

 

Obama

 

A decisão da OMC vem em um momento delicado, tanto na relação entre o Brasil e o presidente Obama, como para o setor de algodão. O chanceler Celso Amorim já demonstrou que perdeu a paciência com a falta de iniciativa da Casa Branca no setor comercial e a resistência de Obama em fazer concessões.

 

Já os produtores brasileiros, diante da queda na demanda mundial, estão migrando para a soja. Na atual safra, a previsão é de que a área plantada de algodão no País foi 23% inferior a 2008. Para o próximo plantio, já se admite uma queda de mais 10%. “Há uma falta de rentabilidade, mesmo com a ajuda do governo em manter preços mínimos”, disse Cunha.

 

O Brasil deve exportar em 2009 cerca de 400 mil toneladas de algodão, especialmente para a Ásia. Mas a Abrapa alerta que o fim dos subsídios nos EUA permitiria uma melhora no preço internacional do produto e uma maior rentabilidade para os produtos brasileiros.

(O Estado de SP, 29/8)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3839, 01 de setembro de 2009.