Substância preserva as memórias
24 de agosto de 2009 - 06:27
Neurotransmissor do prazer alimenta as lembranças de longo prazo
Roberta Jansen escreve para “O Globo”:
Mais conhecida por acionar as sensações de prazer no cérebro, a dopamina determina também por quanto tempo memórias podem persistir na mente de camundongos, como revelou um estudo publicado na “Science” por um grupo de cientistas brasileiros e argentinos.
A descoberta, que se aplicaria a seres humanos, abre caminho para o desenvolvimento de drogas e para o estudo sobre a manipulação das lembranças. O estudo ajudaria a explicar também o antigo mistério sobre a formação das memórias e também sobre como o nosso cérebro as armazena para uso a longo prazo.
– Verificamos os mecanismos pelos quais a memória, uma vez consolidada, persiste por mais ou menos tempo – explicou o pesquisador Ivan Izquierdo, coordenador do Centro de Memória da PUC-RS, um dos cinco autores do trabalho . – Todo mundo se lembra do filme que viu há dois dias, mas bem menos gente se recorda daquele que viu há uma semana. E isso acontece com tudo. Há memórias que persistem e outras não.
Um caminho para produzir novas drogas
Para entender por que isso acontece, os cientistas trabalharam com camundongos. Os pesquisadores infringiram choques elétricos aos roedores e testaram por quanto tempo os animais se lembraram do episódio e se esforçaram para evitar choques no futuro.
Os especialistas demonstraram que os camundongos se esqueciam rapidamente do choque se, 12 horas após o evento, eles recebessem uma injeção de uma substância que bloqueia a ação da dopamina – um dos principais neurotransmissores do cérebro. Entretanto, camundongos que levaram um choque brando se mostraram capazes de se lembrar do evento por muito tempo ao receberem, 12 horas após o evento, uma injeção de uma substância que estimula a produção de dopamina.
O número mágico é 12, segundo os cientistas. As injeções não funcionaram quando dadas imediatamente após o choque e tampouco quando dadas nove horas depois.
Os resultados sugerem que a dopamina não teria um papel crucial na formação das memórias em si, mas em transformar experiências em memórias de longo prazo. Os dados mostram ainda que a consolidação das lembranças pode ser manipulada pela dopamina dentro desse período de 12 horas.
Em condições naturais, aponta Izquierdo, nem sempre a dopamina é liberada no cérebro. Quando isso não acontece, as memórias tendem a se perder rapidamente.
– Temos mecanismos para escolher quais memórias são suficientemente importantes para serem armazenadas – explicou o cientista. – Há uma região do cérebro que registra essa informação e determina o que é importante, o que é necessário.
O estudo, segundo ele, poderia ser importante no desenvolvimento de drogas para a memória que agissem estimulando a produção de dopamina, durante o período de 12 horas.
Quando lembrar de tudo pode não ser tão importante
O pesquisador lembra, entretanto, que, após os 40 anos, as memórias já não persistem tão bem na grande maioria da população e que isso talvez não devesse ser alterado.
– Isso acontece com todo mundo, é fisiológico, talvez não valha a pena ser tratado – defende. – Talvez seja um benefício não lembrar de toda e qualquer memória. Enchemos o cérebro de besteiras. Se lembrarmos do filme que vimos há uma semana, deixamos de guardar coisas mais importantes. Vale lembrar que os líderes mais importantes têm mais de 40 anos.
O estudo contou com a participação de especialistas do Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil e da Universidade de Buenos Aires.
(O Globo, 21/8)
Fonte: Jornal da Ciência 3832, 21 de agosto de 2009.