Nuvens e tempestades na intrigante Titã

14 de agosto de 2009 - 07:14

Lua de Saturno é a melhor candidata para abrigar vida extraterrestre
Carlos Albuquerque escreve para “O Globo”:
 
Uma supertempestade tomou a zona tropical de Titã, a maior lua de Saturno, provocando o nascimento de outras formações nebulosas a milhares de quilômetros do local. O fato, divulgado ontem pela revista científica “Nature”, é mais um a intrigar os cientistas, que há muito tempo analisam evidências de semelhanças entre Titã e a Terra. Já se sabia, por exemplo, que Titã possui uma densa atmosfera, semelhante à que existia na Terra em sua etapa de formação, com camadas de metano e nitrogênio. Titã também é o único objeto do Sistema Solar, além da Terra, a apresentar corpos líquidos em sua superfície, na forma de grandes lagos congelados.
 
Agora, com a ajuda da sonda Cassini, que desde 2004 estuda Saturno e suas luas, pesquisadores conseguiram mapear um terço da superfície de Titã e confirmaram que a ação do tempo (ventos e chuvas) criou uma atividade geológica que desenhou naquela lua estruturas que nos são familiares, como cadeias de montanhas, vales e até mesmo dunas.
 
O estudo foi apresentado no Rio, durante a Assembleia Geral da União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês), que acaba amanhã.
 
– São observações muito importantes que comprovam que a superfície de Titã é bem parecida com a da Terra, fazendo deste um dos lugares mais interessantes para se procurar vida no Sistema Solar – afirma a pesquisadora brasileira Rosaly Lopes, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, na Califórnia, e uma das organizadoras da missão Cassini. – Mas se existir vida em Titã, ela seria bem diferente daquela da Terra, já que aquela lua não tem oxigênio e suas temperaturas são extremamente baixas.
 
De fato, faz um frio danado em Titã (a temperatura média é de 200 graus Celsius negativos).
 
Por isso, água na maior lua de Saturno só na forma de gelo, duro como rocha.
 
– Em Titã, o metano, que na Terra só aparece como gás, existe nos estados líquido, sólido e gasoso – explica a pesquisadora, criada em Ipanema e radicada há mais de 20 anos nos EUA. – Por isso, ele atua como a água no ciclo hidrológico da Terra, criando evaporação e precipitação. Assim, as nuvens de Titã têm metano, as chuvas são de metano e os lagos e rios também.
 
Ou seja, trata-se de um mundo inflamável, que só não tem fogo ou explode – o metano é o principal componente do gás natural – porque não possui fonte de oxigênio.
 
Mudanças de estação serão estudadas Essa atividade exótica, aliada a fortes ventos, ajudou a esculpir em Titã – que não tem esse nome à toa, já que é maior do que um planeta como Mercúrio – uma paisagem alienígena, curiosamente semelhante à da Terra.
 
Tais constatações, ressalta a pesquisadora, só foram possíveis através dos radares instalados na sonda Cassini, resultado de uma parceria entre as agências espaciais norteamericana (Nasa), europeia (ESA) e italiana (ASI).
 
O objetivo dos pesquisadores agora é manter a sonda em atividade um pouco além do fim previsto da missão (julho do ano que vem) para mais observações.
 
Eles estão de olho nos pólos dessa lua, onde estão os corpos líquidos.
 
– Como a nave está em bom estado, estamos tentando convencer a Nasa a manter a Cassini em atividade até 2017 – explica a pesquisadora.
 
– Queremos acompanhar as mudanças de estação em Titã, que levam muitos anos para acontecer, e seus impactos nos pólos dessa lua. Queremos ver se os lagos do norte vão secar no verão e os do sul vão ficar cheios no inverno.
(O Globo, 13/8)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3826, 13 de agosto de 2009.