Uma receita científica para prolongar a vida, artigo de Fernando Reinach

7 de agosto de 2009 - 07:25

“Resultados são provavelmente a melhor evidência que teremos neste século de que a restrição calórica é capaz de prolongar a nossa vida”

Fernando Reinach (fernando@reinach.com) é biólogo. Artigo publicado no “Estado de SP”:

 

Talvez você não saiba, mas existe um método capaz de retardar a morte e o envelhecimento. A novidade é que agora foi publicado um estudo que demonstra que esse método também retarda a morte e o envelhecimento de macacos. A má noticia é que o método consiste em passar a vida com fome.

 

Em 1935, foi demonstrado que é possível estender a vida de ratos submetendo os bichos, durante toda a sua vida, a uma dieta contendo 30% menos calorias. Desde a década de 90, esse fenômeno vem sendo estudado e efeitos similares foram demonstrados em moscas, fungos, vermes e camundongos. Atualmente sabemos que a restrição calórica reprograma o metabolismo, o que provavelmente explica o aumento da longevidade.

 

Apesar de existir um grupo de pessoas na Califórnia se submetendo a essa dieta, seus efeitos nunca haviam sido demonstrados em macacos ou seres humanos.

 

A principal razão para isso é que esse experimento leva décadas para ser realizado. É necessário acompanhar os animais submetidos à restrição calórica e compará-los com animais que recebem o numero normal de calorias durante toda a sua vida, monitorar o aparecimento das doenças e esperar que eles morram.

 

Experiência em Rhesus

 

O estudo que foi publicado neste mês começou em 1989, no centro de primatas da Universidade de Wisconsin, quando 60 macacos Rhesus adultos (com 10 anos de idade, em média) foram divididos em dois grupos.

 

Desde então, um grupo tem recebido a dieta normal (ou seja, é o grupo controle) e outro a mesma dieta com 30% menos calorias (grupo RC). Durante os últimos 20 anos, esses animais foram estudados.

 

Como a vida media de um macaco Rhesus é de cerca de 25 anos e o grupo já está com aproximadamente 30 anos, os pesquisadores resolveram publicar os resultados obtidos até agora. O experimento só terminará quando o último macaco morrer, o que ainda deve levar muitos anos.

 

As fotos dos animais do grupo controle e RC já foram publicadas nos jornais faz alguns anos, demonstrando a aparência mais saudável dos animais RC. Essa aparência mais saudável está refletida nos resultados objetivos medidos pelos pesquisadores americanos.

 

No grupo controle, 50% dos animais já morreram; já no grupo RC, apenas 20%dos animais morreram. Se essa diferenças e mantiver, é de se esperar que os animais RC vivam até os 65 anos, o dobro dos integrantes do grupo controle.

 

Vida mais saudável

 

Mas o mais interessante é o aparecimento das doenças relacionadas ao envelhecimento. No grupo controle, 80% dos animais já desenvolveram diabete, câncer ou doenças cardiovasculares. No grupo RC, somente 26% apresentam as mesmas doenças.

 

Os resultados mais impressionantes são os relativos à diabete. No grupo controle, 53% dos indivíduos desenvolveram a doença, enquanto nenhum animal pertencente ao grupo RC foi afetado por ela.

 

Como o processo de envelhecimento, as doenças e as causas que levamos macacos Rhesus à morte são muito semelhantes às que ocorrem nas populações humanas. Portanto, esse estudo sugere que, muito provavelmente, resultados semelhantes seriam obtidos em seres humanos. Não existem estudos em humanos em andamento e uma experiência desse tipo, se fosse colocada em prática hoje, levaria pelo menos 70 anos para ser finalizada. Por esse motivo, esses resultados são provavelmente a melhor evidência que teremos neste século de que a restrição calórica é capaz de prolongar a nossa vida.

 

Nos Estados Unidos existe uma associação das pessoas que estão tentando prolongar suas vidas utilizando este método (http://www.crsociety.org). Mas será que o sofrimento associado à fome constante é compensado por uma vida mais longa?

 

Mais informações: Caloric Restriction Delays Disease Onset and Mortality in Rhesus Monkeys. Science vol. 325

(O Estado de SP, 6/8)

 

Fonte: Jornal da Ciência 3821, 06 de agosto de 2009.