Nova ameaça nos céus
20 de maio de 2009 - 06:53
Descarga elétrica mais duradoura causa prejuízos para redes de transmissão
Ana Lucia Azevedo escreve para “O Globo”:
O Brasil é mesmo a terra onde os raios caem muitas vezes nos mesmo lugar. E não apenas isso. Descobriu-se agora que aqui um tipo específico de descarga elétrica é duas vezes mais intenso.
Não se trata de curiosidade. A tal descarga é um prejuízo em potencial. Embora mais fraca, ela dura até 500 vezes mais do que os raios comuns e pode torrar com facilidade redes de comunicações e transmissão de energia.
O estudo do Grupo de Eletricidade Atmosférica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Elat/Inpe) investigou a chamada corrente contínua. Para um leigo, ela é só aquele relâmpago mais sem graça, o fim de festa da tempestade. Mas cientistas veem nesse tipo de descarga elétrica um problema e um fenômeno climático ainda pouco compreendido.
O Brasil é o país onde mais caem raios no mundo: algo entre 50 milhões e 60 milhões a cada ano, com prejuízos superiores a R$ 500 milhões.
Para entender o que a descoberta do Elat representa nesse universo elétrico é preciso primeiro saber que o que chamamos de raio, na verdade, é uma corrente elétrica formada por múltiplas descargas.
Cada uma delas carrega até 20 mil amperes, mas não dura mais do que um milésimo de segundo. É aí que entra a corrente contínua. Ela começa forte e perde intensidade.
— É como se o raio não apagasse. Mas não são todos os raios que têm correntes contínuas — explica Osmar Pinto Júnior, coordenador do estudo.
A corrente contínua alcança entre 100 e 200 amperes — quase nada se compararmos com os até 50 mil das comuns. Se no mundo dos raios é pouco, no humano é considerável. Um chuveiro elétrico, por exemplo, gasta 20 amperes.
— A corrente contínua pode durar até meio segundo, ou 500 vezes mais que as descargas comuns. E por isso é problemática. Uma árvore pode ser atingida em cheio por uma descarga violenta e não se incendiar. Mas vai queimar se a corrente for contínua — observa Osmar.
Outros que assam dessa forma são os cabos que transportam as correntes elétricas em redes de transmissão de energia.
— A corrente derrete os fios de comunicação — diz o cientista do Inpe.
A continuação do trabalho promete contribuir para o desenvolvimento de meios de prevenção de danos em redes elétricas, de telecomunicação e de para-raios.
Ele e sua equipe fizeram as medições com câmaras ultrarápidas e sensores elétricos. A pesquisa foi realizada em São Paulo, mas a ideia é fazer medições em outras partes do Brasil. Estudos na Região Sul devem ser realizados até o fim do ano.
— A intensidade no Brasil é duas vezes maior do que nos Estados Unidos, mas precisamos refinar os dados — diz o pesquisador.
Em parceria com Iara Cardoso de Almeida Pinto, Osmar lançou recentemente o livro “Relâmpagos” (Editora Brasiliense), dedicado ao público não especializado, em particular os estudantes.
— Relâmpagos estão entre os fenômenos mais poderosos da natureza. É preciso compreendê-los — diz o cientista, que outubro lançará nos EUA outro livro, desta vez voltado para os especialistas.
O misterioso fenômeno do Lago Maracaibo
Um fenômeno que já intrigava os primeiros conquistadores espanhóis a pisar no território da atual Venezuela continua a causar polêmica entre cientistas. Chama-se Raio de Catatumbo. Esse é o nome dado aos muitos raios que caem no Lago Maracaibo junto à desembocadura do Rio Caratumbo.
Na região ocorrem cerca de 200 dias de tempestade por ano, o que a torna uma das mais afetadas por descargas elétricas da América do Sul. São tantos os raios, que as tempestades são chamadas também de Farol de Maracaibo.
Para cientistas venezuelanos, a explicação estaria na grande concentração de metano no fundo do lago. O metano causaria alterações na forma como as partículas de gelo se eletrificam e geram descargas elétricas no interior das nuvens. O problema é que essa tese nunca conseguiu comprovação que garantisse publicação em revista científica respeitada.
Os venezuelanos consideram o Raio de Catatumbo especialíssimo. Mas Osmar Pinto Júnior e outros cientistas pensam que há uma explicação mais prosaica.
— Acreditamos que tem a ver com a geografia. O Lago Maracaibo fica entre os Andes e a zona de convergência tropical. Isso é uma receita para tempestades. Tanto que o lago venezuelano não tem mais raios do que região colombiana vizinha. A fronteira do Paraguai com o Brasil também tem grande ocorrência de relâmpagos — diz o cientista.
Seja qual for a origem das tempestades, ambientalistas venezuelanos sonham transformar a região em patrimônio da Humanidade.
(O Globo, 13/5)
Fonte: Jornal da Ciência 3760, 13 de maio de 2009.