Produção de etanol a partir da mandioca pode ser mais barata do que com a cana
18 de março de 2009 - 05:58
Segundo o diretor do Centro de Raízes e Amidos Tropicais (Cerat), Cláudio Cabello, raiz têm inúmeras facilidades para ser transformada em etanol
Apesar de ainda estar em fase experimental no Brasil, a obtenção de etanol a partir da mandioca é uma realidade cada vez mais próxima. O alto valor energético dessa raiz originária da Amazônia será, em breve, aproveitado também para a produção de biocombustíveis.
“Todos os tipos de mandioca podem ser usados para a produção de biocombustível, mas aqueles que possuem maior concentração de amido, como a mandioca industrial, são as mais indicadas”, explica o diretor do Centro de Raízes e Amidos Tropicais (Cerat), Cláudio Cabello.
Desde 2003, Claúdio Cabello desenvolve linhas de pesquisas sobre a produção de etanol a partir de amidos. “Inhame e batata doce têm boas possibilidades, mas não se comparam ao que é possível se fazer a partir da mandioca. Ela possui diferenciais extremamente positivos, como a possibilidade de cultivo em diferentes regiões do país”, disse.
Segundo ele, a raiz têm inúmeras facilidades para ser transformada em etanol. “Não há, na mandioca, nenhum composto que iniba o processo biológico de fermentação alcoólica e, dependendo da região, a obtenção do álcool a partir dela poderá ser mais barata inclusive do que pela cana”, explica. “Mas, isso dependerá de estímulos que resultem em aumento da produtividade”, completa.
Claúdio Cabello explica que a produção de mandioca tem um custo de R$ 100 por hectare. “Cada hectare produz entre 28 e 30 toneladas, e o mercado paga R$ 140 pela tonelada. Isso faz com que a margem de lucro desse tipo de produto seja excelente, dando inclusive maior liberdade para a definição da época da colheita”, argumenta.
Segundo o vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca (Abam), Antônio Donizetti Fadel, o tempo de cultivo da mandioca varia entre nove e 30 meses.
“Quanto mais tempo na terra, maior é a lucratividade. O Brasil é o único país do mundo a colher no 24º mês. Com 12 meses, a produtividade é, em média, de 25 toneladas por hectare. Se o prazo for ampliado para entre 18 e 24 meses, essa produtividade sobe para 40 toneladas. E o custo não aumenta tanto, porque não há necessidade de replante ou de preparar a terra novamente”, explica Fadel.
Segundo ele, o país precisa, ainda, melhorar a produtividade por hectare para tornar mais atraente o uso da planta na produção de biocombustível, e o investimento mais viável economicamente. “É necessário que o Estado, a exemplo do que fez no pró-álcool, nos ajude a melhorar a produtividade agrícola para tornar mais competitiva a produção de etanol em relação à cana e a outras matérias-primas para biocombustíveis. A mandioca tem condições de ser bastante competitiva, desde que se invista na área agrícola.”
Com a tecnologia atual, cada tonelada de mandioca pode produzir 200 litros de álcool. Ou seja, a cada 5 quilos da raiz se produz um litro de combustível. “Não tenho dúvidas do potencial lucrativo da planta, uma vez que ela pode ser produzida em qualquer tipo de solo e não interfere tanto no meio ambiente”, completa.
Outro ponto positivo para a produção de biocombustível por meio da mandioca é que a história da raiz se confunde com a própria história da população da Amazônia. “Isso ajuda a fazer com que a rejeição do seu uso para a obtenção de etanol seja muito menor entre os ambientalistas. A possibilidade de plantá-la juntamente a outras culturas também facilita essa aceitação”, explica o técnico agro-florestal da Secretaria de Desenvolvimento Agro-Florestal do Acre, Diones Assis Salla.
Norte e Nordeste serão os mais beneficiados pelo etanol da mandioca, dizem especialistas
As Regiões Norte e Nordeste reúnem condições para ser as mais beneficiadas pelo uso da mandioca na produção de biocombustíveis. Dificuldades como a de transportar o produto por longas distâncias e a possibilidade de o etanol ser produzido em mini, pequenas e médias usinas podem contribuir para o desenvolvimento econômico e social dessas localidades.
“Devido à grande concentração de água [cerca de 70%], a mandioca não pode ser transportada por longas distâncias”, explica. “Para transportar a raiz por percursos maiores, de até 600 quilômetros, é necessário secá-la ao sol, de forma a adquirir um aspecto de chips. Isso pode ser mais bem organizado a partir de minicooperativas ou associações, o que traz, também, benefícios sociais para as comunidades envolvidas”, argumenta o vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca (Abam), Antônio Donizetti Fadel. “Nessas regiões, o social hoje pode resultar no econômico do futuro”, completa.
“A mandioca pode ser cultivada por mini, pequenos, médios e grandes produtores. Por isso é de grande utilidade para atender a demandas locais. Já a cana só é viável quando a produção é de grande porte”, avalia o técnico agro-florestal da Secretaria de Desenvolvimento Agro-Florestal do Acre, Diones Assis Salla. Ele explica que, devido à grande distância entre as comunidades da região Norte e as usinas de cana, o álcool nessas regiões costuma ser mais caro do que no restante do país.
Segundo o diretor do Centro de Raízes e Amidos Tropicais (Cerat), Cláudio Cabello, por a extração de etanol a partir da mandioca poder ser feita em usinas de pequeno porte, para uso local, o ideal para as comunidades mais afastadas é a adoção de pequenas unidades-piloto.
“A divulgação desse tipo de tecnologia faz parte das iniciativas do Cerat. Para tanto estamos instalando no campus de Lageado, da Universidade Estadual Paulista, em Botucatú, uma unidade que produzirá 5,3 metros cúbicos de etanol por dia”, informa Cláudio Cabello.
No passado, a produção de etanol a partir da cana tinha que ser de, no mínimo, 120 metros cúbicos de álcool, por dia, para valer a pena. Segundo Cláudo Cabello, com a necessidade cada vez maior de tornar as empresas competitivas no mercado, esse valor subiu para uma produção diária de 240 metros cúbicos.
Lucro energético da mandioca é maior do que os do milho e da cana
Transformar cana, milho ou mandioca em biocombustível é um processo que consome energia. Quantificar a energia gasta para essa produção, e compará-la à energia obtida a partir do etanol, foi o propósito de um estudo realizado pelo técnico agro-florestal da Secretaria de Desenvolvimento Agro-Florestal do Acre, Diones Assis Salla. O pesquisador chegou à conclusão de que, entre os três produtos pesquisados, a mandioca é o que proporciona “maior lucro energético”.
“Meu objetivo foi medir o quanto se gasta de energia ao longo de todo o processo produtivo de etanol desses três produtos, desde o início do processo, ainda na terra, até a industrialização. Depois, nós comparamos esses números com a energia obtida a partir do biocombustível”, explica Diones.
Segundo a pesquisa, para cada caloria de energia investida com a mandioca há um retorno de 1,67 caloria de energia em etanol. “São 67% de lucratividade energética com a mandioca, contra 9% da cana e 19% do milho”, argumentou. “Portanto a mandioca é, entre os três produtos, o que causa menor impacto no agroecossistema de cultivo”, conclui. O estudo desconsiderou a utilização do bagaço da cana como fonte de energia.
Produção da mandioca gera 10 milhões de empregos diretos e indiretos
Antes mesmo de ser usada como matéria-prima para a produção de biocombustível a mandioca já é uma das culturas que mais empregam no Brasil. É o que afirma o vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca (Abam), Antônio Donizetti Fadel.
“Atualmente a produção de mandioca é responsável por gerar, direta e indiretamente, cerca de 10 milhões de empregos. A maior parte – cerca de 50% – trabalha com a produção de farinha”, argumenta Fadel. “É, sem dúvida, um tipo de cultura que tende a fixar o homem no campo”, completa.
A produção de mandioca no Brasil é de cerca de 26 milhões de toneladas por ano, segundo a Abam. Quase a metade vira farinha, 40% é usado para consumo de mesa e ração animal, e 9,5% transformada em amido, principalmente na Região Sul.
“Apesar de o Brasil ainda não produzir nada de biocombustível, nós já dominamos as técnicas necessárias para começar esse tipo de atividade. O que precisamos é avançar com as pesquisas que buscam aumentar a produtividade, de forma a termos melhores condições de competitividade”, defende o dirigente da Abam.
Usinas de cana podem ser adaptadas para produzir etanol a partir da mandioca
A obtenção de biocombustível a partir da mandioca pode ser feita também pelas usinas de cana-de-açúcar, devido às similaridades entre os processos de fermentação e de destilação dos dois produtos. A informação é do vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca (Abam), Antônio Donizetti Fadel.
“O processo de fermentação e destilação da mandioca é igual ao da cana. A diferença está na etapa de moagem e no processo de sacarificação, que transforma o amido em açúcar”, explica Fadel.
Segundo ele, há a possibilidade de se postergar a colheita da raiz pode tornar o produto mais atraente para os usineiros durante as entre-safras da cana.
“A mandioca permite uma maior liberdade para a definição da época de colheita, que pode chegar a até 30 meses após o plantio. A vantagem é que enquanto ela não é colhida continua crescendo. E, com ela, os lucros”, disse.
Fadel explica que com 12 meses a produtividade da mandioca é, em média, de 25 toneladas por hectare. “Mas, com 24 meses é possível chegarmos a 40 toneladas por hectare”, garante.
(Pedro Peduzzi, da Agência Brasil)
Fonte: Jornal da Ciência 3711, 02 de março de 2009.