Físicos travam nova corrida por partícula

17 de março de 2009 - 07:00

Com experimento gigante europeu fechado para reparo, acelerador menor nos EUA diz ter 50% de chance de vitória. Grupo de Chicago espera poder chegar antes do LHC à detecção do bóson de Higgs, partícula elementar que confere massa à matéria

Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP”:

O Fermilab, instituto de pesquisa dos Estados Unidos que abriga o Tevatron, maior acelerador de partículas em funcionamento no mundo -o europeu LHC, bem maior, continua quebrado- poderá surpreender a comunidade científica em todo o mundo até dezembro.

Em Chicago, Dmitri Denisov, diretor da instituição americana, afirmou que eles estão perto de verificar a existência do cobiçado bóson de Higgs. “Nós temos pelo menos 50% de chances de que isso ocorra até o fim do ano”, afirmou o dirigente do Fermilab durante a reunião da AAAS (Sociedade Americana para o Avanço da Ciência, na sigla em inglês).

Apesar de não querer criar polêmica, ou uma competição entre o Tevatron e o LHC -gigantesco acelerador de partículas que no ano passado, após a inauguração, pifou- a frase de Denisov serviu para declarar aberta a corrida entre os dois centros de alta energia. Quem conseguirá descobrir, na prática, o bóson de Higgs?

“Não se trata de uma corrida, porque inclusive, do ponto de vista científico, colaboramos muito entre nós”, tentou despistar Denisov.

Mas, se a partícula de Higgs realmente existir, o que poderia elucidar definitivamente o mistério físico da massa (veja texto à direita), ninguém apostaria que ela não surgiria no LHC, acelerador de partículas subterrâneo perto de Genebra, na Suíça. Ainda mais após toda a pompa e circunstância que cercou a inauguração do centro em setembro de 2008.

O projeto europeu, que custou US$ 10 bilhões e começou a ser projetado em 1994, tem como um dos seus primeiros grandes objetivos exatamente descobrir o bóson de Higgs.

Energia na agulha

Para que isso ocorra, entretanto, a primeira informação importante a ser obtida é a massa da partícula. Denisov aposta que ela teria por volta de “150 bilhões de elétrons-volt”.

Traduzindo, significa que tanto o Tevatron quanto o LHC têm energia suficiente para criar o bóson. Apesar de a máquina europeia ter uma potência sete vezes maior, aproximadamente, do que a americana.

Mesmo que os planos estejam certos -e que o LHC volte a operar este ano- ele deve passar a funcionar com 5 trilhões de elétrons-volt, e não com os 7 trilhões de elétrons-volt, como estava planejado antes.

Mas é por causa da questão do ruído de fundo, energia que nem sempre é útil para as análises científicas, disseram os cientistas reunidos em Chicago, que o Fermilab poderá ser o vencedor do páreo.

No Tevatron, a colisão é feita entre um próton e seu antipróton. Enquanto no LHC, a “batida” energética é feita entre prótons, depois que eles são lançados, em alta velocidade, no acelerador. No caso europeu, o túnel circular de 27 quilômetros, por exemplo, é percorrido 11 mil vezes por segundo pelo feixe de próton. Mas a operação gera muito ruído, que dificulta a detecção do bóson de Higgs.

A história cronológica das duas instituições também favorece o Fermilab. Inaugurado em 1983, o túnel de 6,3 quilômetros de extensão, que passou por vários aprimoramentos, o maior em 2001, estaria mais azeitado, dizem os cientistas.

Segundo Joe Lykken, do Fermilab, se a descoberta ocorrer, “provavelmente” ela poderá ser identificada na hora.

Experimento testa teoria sobre a massa

O bóson de Higgs é uma partícula que, por enquanto, só existe em teoria. Mas é tão importante para a física que, sem ele, não há como explicar questões fundamentais. É sabido que um elétron é 2.000 vezes mais leve do que um próton, mas por quê?

O inglês Peter Higgs, em 1964, exibiu uma teoria afirmando que o espaço é permeado por um tipo de campo que influencia as partículas, e por trás dela está seu bóson, assim como o fóton está por trás dos campos magnéticos. Mas essa influência de Higgs é mais forte sobre partículas mais maciças. Quem não interage com o bóson, não tem massa.

O Higgs é o único componente da teoria padrão da física de partículas que ainda não foi detectado.
(Folha de SP, 20/2)

Fonte: Jornal da Ciência 3707, 20 de fevereiro de 2009.