São José do Rio Preto, SP, pesquisa células-tronco
11 de fevereiro de 2009 - 10:42
No noroeste paulista, duas instituições privadas estudam a área em linhas diversas para tratar coração e rins
Roberto Godoy escreve para “O Estado de SP”:
Às 7 horas de terça-feira, o tratorista Ezequiel P. parou a soma de dez, que fazia a pedido do médico, ali pelo número três. Anestesiado da cintura para baixo e sedado, ele estava adormecido, pronto para, ao longo dos 45 minutos seguintes, ter o quadril perfurado, parte da medula óssea (cerca de cem mililitros) extraída e processada no laboratório de terapia celular.
Ao meio-dia, Ezequiel recebeu uma infusão de suas próprias células-tronco, em doses lentamente injetadas de até 20 mililitros, por meio de um cateter, sonda fina, preparada para chegar ao coração pela artéria coronária. Volumes e ritmo dependem, a rigor, do quadro revelado pela câmera digital. “O alvo é atingir a maior parte possível do músculo cardíaco”, explica o cirurgião José Luiz Balthazar Jacob.
No começo da tarde, o tratorista seguiu para a UTI para 24 horas em observação. Dois dias depois estava em casa. Se tudo der certo, sua vida terá ganho 69% de novas chances, a média dos casos bem-sucedidos. Ezequiel P. sofre de uma forma avançada de doença, “uma coisa que faz o coração ficar mole”, como ele define o mal de Chagas, que o levou à condição final. As células-tronco aplicadas podem melhorar o quadro ruim de sua saúde.
O procedimento está incorporado à rotina do Instituto de Moléstias Cardiovasculares (IMC) de São José do Rio Preto, a 440 quilômetros de São Paulo, desde abril de 2005. A instituição é privada, mantém pesquisa científica na área de células-tronco com recursos próprios e em parceria com o Ministério da Saúde. O IMC trata de 112 pacientes, um número alto de homens e mulheres, todos portadores de miocardiopatias – moléstias que provocam a dilatação do coração ou, ainda, as isquemias.
Os casos estão separados em dois grupos. Um, de 24 pacientes, incluídos no programa oficial do governo, de acordo com o protocolo que fixa as condições de triagem, entre as quais a constatação de que todos os recursos terapêuticos foram esgotados, só restando a opção experimental das células-tronco.
E outro, de 88 doentes, “selecionados e assumidos pelo IMC entre cerca de mil casos”, segundo o médico Oswaldo Grecco, diretor da instituição e responsável pelas atividades de terapia celular. “O sujeito chega aqui e pede o tratamento. Está no limite das normas do ministério e já tentou de tudo. Atendemos.”
O processo, segundo Grecco, é linear: as células-tronco infundidas “aderem ao tecido do coração comprometido e gradativamente promovem a recuperação”. A demonstração é evidente nas imagens de corpo inteiro, obtidas por cintilografia, pouco após a aplicação. Para o cirurgião Balthazar Jacob, “é possível ver o fluxo de células-tronco aderindo ao tecido, embora o restante do material seja captado depois pelo fígado e pelo baço”. O especialista considera que as células-tronco mononucleares “são atraídas pelas zonas inflamadas”.
O rim do rato
Bem perto do IMC, outra organização privada, a Braile Biomédica, realiza pesquisas em linha diversa. Em uma instalação operada em conjunto com a Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), cinco ratinhos de laboratório levaram as biólogas Rosa Kawasaki Oyama, Ana Paula Lima de Oliveira e Heloisa Caldas a uma pequena festa no fim do ano.
O motivo: em dois dos animais, nos quais foi provocada insuficiência renal e nos quais foram realizados transplantes de células-tronco colhidas da medula óssea, “surgiu um tecido com características de rim primitivo – resta saber se ele crescerá como tal e se será funcional”, sustenta o urologista Mário Abbud Filho, diretor do Departamento de Nefrologia e chefe do Serviço de Transplantes Renais da Famerp.
Na fase seguinte, o time da bióloga Ana Paula Oliveira terá pela frente um ciclo de três meses – termina em abril – para definir o momento em que o tecido que, afirma, “tem aspecto sugestivo de um rim”, começa a se formar. A melhor aposta é a que indica um espaço entre 45 dias e três meses.
Não é só. A Braile, que integra o programa de células-tronco do Ministério da Saúde, investiga um modelo baseado no pericárdio (saco fibroso que envolve o coração) bovino. A empresa tem experiência no setor, fabrica e exporta válvulas cardíacas artificiais feitas com essa matéria-prima para 25 países há pelo menos 25 anos.
O experimento está focado em uma tecnologia que permite remover as células do pericárdio e, em seguida, tomando o tecido como uma espécie de suporte ou gabarito, promover o repovoamento com as células-tronco do receptor, “induzindo a formação, por exemplo, de uma nova válvula produzida de tal forma que será biologicamente igual ao recebedor”.
(O Estado de SP, 1/2)
Fonte: Jornal da Ciência 3693, 02 de fevereiro de 2009.