Seleção genética anticâncer
15 de janeiro de 2009 - 07:21
Técnica que gerou bebê sem o gene do tumor de mama já é testada no Brasil
Antônio Marinho escreve para “O Globo”:
O nascimento, pela primeira vez, de uma menina britânica sem o gene que aumenta em 80% a chance de ter câncer de mama abre caminho para a geração de bebês livres dessa doença e outros tumores hereditários. No Brasil já há testes em andamento para seleção de embriões sem a predisposição a cânceres raros. O diagnóstico pré-implante de embriões é autorizado em alguns países, entre eles o Brasil, para alterações como fibrose cística e outras síndromes.
Há cinco anos o gene BRCA-1, um dos responsáveis por câncer de mama e ovários, é conhecido. A pré-seleção do embrião sem a mutação foi realizada na unidade de fecundação assistida do hospital da University College, em Londres.
O pai do bebê é portador do gene e três gerações de mulheres de sua família, incluindo sua avó, mãe, irmã e uma prima foram diagnosticadas com o tumor. Em junho passado, o casal recorreu à técnica.
— Esta menina não deverá enfrentar a ameaça dessa forma genética de câncer de mama ou de ovários quando adulta — afirmou em comunicado Paul Serhal, diretor da unidade. — Os pais evitaram o risco de transmitir a doença à sua filha. A herança que deixarão será ter eliminado a transmissão dessa forma de câncer que devastou suas famílias durante gerações.
O diagnóstico pré-implante (DPI) consiste em extrair uma célula do embrião de três dias e analisá-la para saber se há alterações genéticas capazes de predispor problemas como fibrose cística ou doença de Huntington (mal neurodegenerativo).
Nesses casos, ele é descartado em benefício de outro embrião sem a alteração. Na Europa, o DPI é proibido na Alemanha, Áustria, Itália e Suíça. Porém é autorizado na Bélgica, Dinamarca, Espanha e Grã-Bretanha.
Na França permite-se apenas para detectar doenças genéticas incuráveis, como as que degeneram os músculos. Há 3 anos, o Reino Unido ampliou a possibilidade de DPI para o BRCA-1
Dois casos em andamento no país
A cientista Denilce Ritsuko Sumita, da Genomic Engenharia Molecular e PhD em genética pela USP, explica que o diagnóstico pré-implante é o mesmo, o que muda é a doença genética, com sua mutação específica. Além de mama, a técnica está sendo estudada para eliminar a predisposição a cânceres como polipose adenomatosa (tumor colo-retal), síndrome de von HippelLindau (VHL, que produz tumores em várias partes do corpo), retinoblastoma (na retina), síndrome de Li-Fraumeni (tumores múltiplos), neurofibromatose (do tecido nervoso) e tumor de fossa cerebral posterior.
Na Genomic (SP) houve dois casos de doença de von Hippel-Lindau (VHL) que não resultaram em gravidez. Há um caso de VHL e de Li-Fraumeni em andamento.
— No Brasil a demanda ainda é baixa. Realizamos 8 casos distintos de diagnóstico pré-implante no período de três anos. Como a técnica exige a padronização específica de protocolos de laboratório para cada mutação genética, o custo do exame ainda é muito alto. Além disso, o casal tem que, obrigatoriamente, passar por um ciclo de fertilização assistida, mesmo que não tenha problemas para engravidar.
Agora a menina britânica terá as mesmas chances de desenvolver câncer de mama que outra nascida naturalmente sem o gene.
— Com a técnica é possível evitar o câncer de mama em famílias com história da doença. Para qualquer câncer cujo gene foi identificado pode-se pensar em aplicar a técnica — diz Lygia V. Pereira, professora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, do Instituto de Biociências (da USP).
A questão ética relacionada à técnica preocupa.
— É preciso discutir os limites. Não é o caso da seleção de embrião sem o gene para o câncer. Mas alguém pode pensar em selecionar embriões para ter Q.I. alto e outras características. Além disso, a fertilização in vitro tem baixo índice de sucesso, de 20% a 30%. Com a seleção para evitar doenças fica ainda mais difícil — diz Lygia.
Grupos contrários ao aborto afirmam que é moralmente errado selecionar bebês imperfeitos.
— Eu tinha que fazer. Se a minha filha nascesse com o gene e tivesse câncer eu não conseguiria olhar no rostinho dela sabendo que não tentei — disse a mãe do bebê. (Com agências internacionais)
(O Globo, 13/1)
Fonte: Jornal da Ciência 3679, 13 de janeiro de 2009.