Brasileiros realizam primeira expedição ao interior da Antártica

25 de novembro de 2008 - 09:08

Missão, que parte nesta quinta-feira com sete brasileiros e um chileno, ficará na região entre os meses de novembro e janeiro, e avançará 2.400 km no interior do continente em busca de testemunhos de gelo que mostrem a história climática mundial e do Brasil
Luís Amorim escreve para o “Jornal da Ciência”:

Pesquisadores ligados ao Programa Antártico Brasileiro (Proantar) preparam-se para realizar a primeira expedição científica nacional ao interior do continente antártico.

Eles partem nesta quinta-feira, 20 de novembro e devem permanecer cerca de 40 dias no interior do continente, realizando pesquisas que tentam entender o papel das regiões polares no sistema ambiental global e como essas regiões estão respondendo às mudanças climáticas.

Leia, abaixo, a entrevista com o glaciologista Jefferson Cardia Simões, pesquisador do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador da missão:

– As pesquisas vão ajudar a entender as mudanças climáticas globais?

O que o nosso país está tentando fazer é explorar as conexões do clima brasileiro com a Antártica, mas para entendermos isso e “linkarmos” a variabilidade climática da Antártica com a variabilidade climática brasileira, precisamos saber como foram essas conexões no passado. No controle do clima brasileiro, a Antártica tem um papel tão importante quanto a Amazônia. Nós colocamos muita ênfase numa só região do país, mas na verdade está tudo interconectado. Para entender os processos de criação de frentes frias no país e de circulação atmosférica e oceânica no Atlântico Sul, temos que entender o que ocorre na Antártica, porque ela é a maior massa fria e onde se perde mais energia para o espaço. É para entender esta história que estamos buscando o máximo de informações possíveis para abastecer nossos modelos climáticos sobre a variabilidade do clima nacional. Outro aspecto que será estudado é a química atmosférica. Numa parceria do nosso grupo com pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), queremos detectar de forma pioneira sinais químicos da queima de biomassa da América do Sul no gelo da Antártica. Será que sinais da queima da Amazônia chegam lá? Também tentaremos distinguir os impactos da industrialização no Hemisfério Sul, mas esse vai ser mais difícil, porque a Antártica reflete a poluição global e separar traçadores de Nova Iorque dos de São Paulo é difícil.

– De queimada é mais fácil?

Sim, porque aí não existe transporte inter-hemisférico, o transporte dos subprodutos da queima da biomassa e da poluição se dão em camadas diferentes da atmosfera. Mas se o estudo funcionar, nós também teremos alguma dificuldade para identificar se os sinais das queimadas vieram da África ou da Amazônia, por exemplo, mas ainda estamos na busca dos vestígios e depois é que será feita a análise.

– Quando será a expedição?

Partiremos dia 20 de novembro e a volta provável é no dia 10 de janeiro do próximo ano.

– A missão contará com quantos participantes?

São oito pessoas, sendo sete brasileiros e um chileno. Vão cinco pesquisadores da UFRGS e dois da Uerj. O oitavo é um cientista e montanhista chileno.

– Quantas vezes você já foi à Antártica?

Essa será a 19ª vez que eu vou às regiões polares. Fui duas vezes ao Ártico e 16 à Antártica. Ao contrário dos outros pesquisadores que participam do Proantar, que fazem um montão de outras coisas e às vezes vão à Antártica, eu tive uma oportunidade única, fui treinado como cientista polar.

– Qual será a distância em que vocês vão penetrar no continente antártico?

Nosso acampamento será a 2 mil km ao Sul da Estação Antártica Comandante Ferraz e nós ainda pegaremos um avião que avançará mais 400 km.

– As condições de clima são muito piores do que na costa?

O Proantar tem até o momento sua atividade centrada na costa e no oceano. Esses locais têm um clima relativamente ameno para os glaciólogos. As roupas do Programa Antártico Brasileiro não serviriam, porque nós morreríamos de frio. Nós tivemos que adquirir roupas especiais. Na ilha onde está localizada a Estação Comandante Ferraz, a temperatura anual média é de 2.5°C, podendo cair no inverno até – 25°C. O lugar onde nós vamos tem temperatura média anual de – 35°C, chegando até – 50°C no inverno. Há lugares ainda mais altos e mais frios onde a temperatura média chega a – 60°C, podendo cair a – 80°C. Esta variação se dá porque a Antártica é um grande continente e 99,7% dela é um grande manto de gelo, com espessura média de dois km. As pessoas não compreendem a dimensão da Antártica: são 13,6 milhões de km2 de gelo e, se todo esse gelo fosse colocado no Brasil, nós teríamos uma camada homogênea de 3 km sobre todo território nacional. Infelizmente, só há uma equipe no Brasil preparada para penetrar e pesquisar nesta área.

– Você acha que essa expedição pode ser a primeira de muitas?

Pode e deve. Claro que não dá para realizar uma missão dessas todo ano, é caro, mas de tempos em tempos, justificada cientificamente, uma expedição é importante, porque há pesquisas que só podem ser feitas dentro do gelo antártico. Essa missão é uma demonstração política forte de interesse do Brasil na questão Antártica e que vem sendo reforçada nos últimos quatro anos. O Proantar finalmente tem recebido o destaque que merece, estando previsto no Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação. O programa ficou muito tempo apenas sobrevivendo, mas agora temos recursos suficientes para fazermos uma pesquisa de qualidade.

– Quais são os patrocinadores da expedição?

O ministério da C&T, de duas maneiras, via CNPq e através de uma ação direta, e a Petrobras.

– Qual o recurso investido?

Nessa expedição o investimento é de cerca de R$ 500 mil. Há um grande custo logístico. Cerca de 20% desses recursos são para pesquisa científica, o restante são gastos para nos levar e nos manter lá.

– Vocês vão chegar lá com o navio polar Ary Rongel?

Um dos nossos problemas é que o Programa Antártico Brasileiro não tem logística para dentro do continente antártico, porque as pesquisa brasileiras são restritas à costa e ao oceano. Nós só temos navio e para penetrar no continente é preciso aviões que aterrissem no gelo ou com esqui para aterrissar na neve. Nós pegaremos um avião comercial até Punta Arenas, no Chile, depois um avião cargueiro até 2 mil km ao Sul da Estação Comandante Ferraz, numa pista de gelo. Aí a gente monta acampamento e depois pega um avião bimotor e vai mais 400 km, num lugar totalmente isolado, porque queremos um ambiente mais puro possível, para evitar qualquer contaminação das amostras.

– Seria um lugar onde ninguém nunca foi?

Há registros de passagens no início na década de 60, mas na Antártica há lugares em que se passou apenas uma vez. De qualquer maneira, nós vamos estar em zonas onde ninguém nunca chegou.

– Para auxiliar a pesquisa dentro do continente seria necessária a compra de um avião?

Esse é o nosso sonho. Eu sei que tem gente na Força Aérea Brasileira (FAB) que gostaria, mas esses são apenas contatos informais. Mas quem sabe a FAB poderia um dia se envolver com missões dentro do continente? Ela tem a tecnologia e expertise, é só uma questão de treinamento. Os nossos pilotos poderiam ser treinados com os chilenos, porque a força aérea chilena faz este tipo de missão.

– Mas a compra do novo navio será importante nas pesquisas do Proantar?

Vai ajudar dando mais flexibilidade logística, permitindo que este novo navio seja dedicado à pesquisa e o Ary Rongel seja utilizado basicamente como um navio cargueiro. A ciência seria feita no novo navio, mas isso ajuda apenas a ciência do mar. Não tem impacto direto na pesquisa dentro do continente.

Fonte: Jornal da Ciência 3644, 18 de novembro de 2008.