Desvendando o percurso intracelular das proteínas, artigo de Wanderley de Souza

21 de novembro de 2008 - 09:34

“O entendimento do processo de codificação existente na molécula do ácido nucléico (DNA), como esta codificação é transcrita e a implementação do processo de síntese de proteínas tem sido responsável pelos grandes avanços da biologia contemporânea”

Wanderley de Souza é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina, professor titular da UFRJ e diretor de Programas do Inmetro. Artigo publicado no “Monitor Mercantil”:

As proteínas constituem componentes-chave da vida. É sua organização espacial e a capacidade de interagir entre si e com outras macromoléculas que conferem a forma da célula e das estruturas sub-celulares. Por outro lado, muitas proteínas são capazes de catalisar a transformação de uma substância em outra exercendo, nestes casos, uma atividade designada como enzimática.

Todas as proteínas são sintetizadas no interior da célula, Sua síntese se dá graças à existência de uma informação contida nas moléculas dos ácidos nucléicos, componentes indispensáveis da vida.

O entendimento do processo de codificação existente na molécula do ácido nucléico (DNA), como esta codificação é transcrita e a implementação do processo de síntese de proteínas tem sido responsável pelos grandes avanços da biologia contemporânea. É significativo o número de pesquisadores que receberam o Prêmio Nobel, reconhecimento maior da sociedade pelo trabalho de um pesquisador, por terem desvendado detalhes do processo que leva à síntese de proteínas.

Os estudos mais recentes em que se procura identificar todas as proteínas de uma célula apontam para existência de milhares de proteínas diferentes. Cada uma tem uma localização específica, posicionando-se no local correto para execução da função que lhe foi atribuída. Como traçar o percurso de cada proteína? Este foi um desafio quase que intransponível ao longo de vários anos.

Uma das mais importantes abordagens teve início em 1962, quando o pesquisador japonês Osamu Shimomura e sua equipe, trabalhando no Laboratório de Biologia Marinha de Woods Hole, nos Estados Unidos, descobriram na água viva (Aequorea Victoria) a existência de uma proteína naturalmente fluorescente. Esta proteína ficou conhecida pelos biólogos celulares como proteína fluorescente verde (green fluorescent protei, abreviada como GFP).

Logo a seguir, os trabalhos de Douglas Prasher e colaboradores, desenvolvidos em 1992 na mesma instituição, levaram à clonagem do gene que codifica esta proteína. Este grupo teve dificuldades em conseguir financiamento para dar continuidade ao trabalho. No entanto, em colaboração com o grupo liderado por Martin Chalfie, da Universidade de Columbia, Estados Unidos, foi possível inserir este gene em uma outra célula.

Dessa maneira foi possível fazer com que esta célula ao sintetizar uma outra proteína de interesse fizesse com que esta proteína estivesse unida a GFP. Posteriormente, um trabalho de engenharia genética conduzido pelo grupo liderado por Roger Tsien, da Universidade da Califórnia em San Diego, permitiu aperfeiçoar as características espectrais da GFP tornando a fluorescência emitida mais intensa e mais estável. Estudos subseqüentes levaram à obtenção de fluorescência de diferentes cores.

Este truque experimental, publicado em 1994 e aperfeiçoado nos anos subseqüentes, abriu a possibilidade de se analisar o destino intracelular das mais diferentes proteínas sintetizadas por células normais e células alteradas.

Podemos mesmo afirmar que o uso do GFP e de moléculas semelhantes transformaram a Biologia Celular no que se refere ao acompanhamento em tempo real do processo de síntese e direcionamento das mais variadas proteínas.

Por tudo isto, não houve nenhuma surpresa ao se anunciar há alguns dias o Prêmio Nobel para Osamu Shimomura, Martin Chalfie e Roger Tsien. Se surpresa houve, foi quanto à área escolhida pelo comitê. Confesso que se esperava o Prêmio para a área da Medicina e este foi concedido na área da Química, o que é mais uma evidência da interdisciplinaridade da Ciência contemporânea.

Fonte: Jornal da Ciência 3639, 11 de novembro de 2008.