Carioca cria máquina de multiplicar célula-tronco

13 de novembro de 2008 - 10:28

Tecnologia da UFRJ permitirá obter bilhões de células para uso em terapia; método criado pelo grupo do biólogo Stevens Rehen usa esferas de açúcar para produzir duas vezes mais material pelo mesmo custo

Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP”:

Quando se trata de tentar curar doenças graves, não basta simplesmente obter uma linhagem de células-tronco embrionárias humanas -feito anunciado por pesquisadores brasileiros no mês passado. Como no futuro, em uma terapia, um paciente terá de receber 1 milhão de células por quilo de peso, criar uma maravilhosa máquina de multiplicação desse material celular nobre é mais do que fundamental.

Às margens da baía da Guanabara, pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) resolveram aceitar o desafio. E os resultados obtidos até agora permitem afirmar que não será por falta de células-tronco embrionárias humanas que as terapias -ou pelo menos os primeiros testes pré-clínicos- vão naufragar. Bilhões delas poderão ser obtidas pelo método brasileiro.

Para entrar na sala do biorreator fluminense, que fica na Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia) da UFRJ, todo o cuidado é pouco. O repórter teve de usar touca, luvas e máscara, além de vestir um avental e cobrir os sempre sujos sapatos.

O perigo que existe não é para as pessoas. Dentro da “sala limpa”, como os cientistas chamam aquele espaço, mais purificado do que uma sala cirúrgica, o risco é de o material que está lá ser contaminado pelo que vem de fora.

Grosso modo, um biorreator é uma enorme placa de cultura onde um material biológico qualquer é produzido em grande escala. No caso das células-tronco, no biorreator elas recebem tudo de que precisam para se multiplicar: nutrientes, estímulos químicos e um substrato -um meio ao qual aderir.

O biorreator carioca é um gigantesco tubo de ensaio, que mais parece um balde, com capacidade para receber cinco litros de células-tronco embrionárias. Acoplado a ele está um computador, que permite que todos os ajustes ao equipamento sejam feitos à distância, sem que nenhum cientista precise pôr suas mãozinhas contaminadas sobre as frágeis células.

Mas o pulo do gato científico, como revela o engenheiro químico Paulo André Nóbrega Marinho, é praticamente invisível. Por causa de milhares microesferas de açúcar, o biorreator consegue produzir o dobro de células-tronco embrionárias pelo mesmo preço que o método convencional (que usa pequenos tubinhos de nove centímetros quadrados de área cada um). Cifras exatas ainda são muito difíceis de estimar.

Essas bolinhas, no tubo gigante, fazem aumentar a área disponível para a adesão das células. “Não fomos nós que criamos essas microesferas. Mas essa adaptação para as células-tronco embrionárias humanas só é feita aqui”, afirma a química Aline Marie Fernandes.

A dupla de jovens doutorandos é orientada, respectivamente, por Leda Castilho (Coppe) e Stevens Rehen (Departamento de Anatomia).

“Com esses polímeros de açúcar, que são meio amassados, na verdade, existe mais espaço para as células aderirem ao substrato e crescerem”, diz Marinho. Nas contas dele, o ganho total de área é expressivo. Em um grama de bolinhas -cada uma tem 0,2 milímetro de espessura- há uma superfície de 0,3 metro quadrado.

“O que significa que em todo o biorreator, que comporta 15 gramas de microesferas, existe uma área tridimensional para ser conquistada pelas colônias celulares de 4,5 metros quadrados”, diz Marinho.

Importação atrasa testes de “fábrica”” de células gigante

Com a linha de produção pronta para entrar em funcionamento -até agora o biorreator de cinco litros não foi usado, mas a técnica está aprovada em testes feitos em biorreatores menores, com capacidade de um litro cada- outra questão relevante é melhorar a qualidade do composto usado para alimentar as células-tronco.

Basicamente, diz a química Aline Marie Fernandes, todos os caldos de cultura usados hoje apresentam algum grau de contaminação por material de origem animal. Enquanto algumas colônias celulares crescem sobre células de roedores, na UFRJ isso já não ocorre.

Mas, apesar de não ser adicionado material animal nos biorreatores, as soluções que alimentam a multiplicação das células-tronco embrionárias humanas ainda não estão totalmente livres de substâncias animais. Isso pode ser um grande obstáculo quando chegar o momento de injetar essas células-tronco em seres humanos.

“Um dos nossos objetivos agora é multiplicar células sem nenhum tipo de substância de origem animal” afirma Rehen, na sua sala no CCS (Centro de Ciências de Saúde) da UFRJ.

Segundo o cientista, um artigo descrevendo o método de multiplicação das células desenvolvido por sua equipe já foi submetido para publicação em um periódico internacional. Um dos próximos passos também é usar o biorreator maior para valer. Mas, para isso, além de recursos financeiros que devem chegar nos próximos meses, ele depende da burocracia de importação. “Estamos esperando faz meses um novo meio de cultura chegar”, afirma.

Um milhão de células

Uma das primeiras linhagens de células-tronco embrionárias humanas que serão colocadas para serem agitadas no tubo de ensaio de cinco litros é a BR-1, desenvolvida na USP, no laboratório de Lygia da Veiga Pereira, diz Rehen. As células já foram todas testadas quanto à pluripotência e estão congeladas. “Temos 1 milhão de células”, disse Fernandes. “Tudo isso cabe em um pequeno tubo.”

Apesar de todo o cuidado para que a contaminação seja a menor possível e que o meio de cultura seja livre de compostos animais, Rehen acredita que uma outra aplicação das células-tronco embrionárias humanas esteja até mais perto de ocorrer do que o uso delas em testes de terapias celulares.

“Elas serão usadas até mais rápido em testes de toxicidade de novos fármacos”, afirma o neurocientista, que também está concorrendo em um edital aberto pelo governo federal.

O objetivo do concurso é escolher pelo menos meia dúzia de centros brasileiros de fabricação de células-tronco. Com o uso da tecnologia da UFRJ, afirma Rehen, milhares de compostos envolvidos com novas drogas poderão ser testados ao mesmo tempo.
(Folha de SP, 10/11)

Fonte: Jornal da Ciência 3638, 10 de novembro de 2008.