Estudo avança na reparação do sistema nervoso
13 de novembro de 2008 - 09:57
Pesquisas publicadas hoje alcançaram taxas inéditas de recuperação de neurônios em camundongos
Alexandre Gonçalves escreve para “O Estado de SP”:
Duas pesquisas publicadas hoje na revista científica americana Science trazem esperança para pessoas com paralisia e certos tipos de cegueira. Os trabalhos apresentam avanços significativos na cura de lesões neuronais. Em testes realizados in vitro e com camundongos, os cientistas obtiveram taxas inéditas de recuperação das células danificadas.
O sistema nervoso adulto possui várias barreiras que impedem sua própria regeneração. A limitação é o preço pago pela segurança: quando as células nervosas já estão maduras e estáveis, o organismo dificulta mudanças que poderiam afetar o funcionamento da nossa “central de controle”. Para quem sofreu lesões graves no cérebro ou na medula, tal precaução custa caro: impede a cura, por exemplo, de pessoas que ficaram paraplégicas em um acidente de carro.
Até o início da década de 1980, os cientistas acreditavam que apenas neurônios do sistema nervoso periférico seriam capazes de se regenerar. Mas alguns experimentos indicaram que neurônios do sistema nervoso central também podem se restabelecer. “Basta” identificar com precisão as barreiras moleculares que impedem sua regeneração e a melhor forma de contorná-las.
Os estudos publicados na Science representam a superação de, pelo menos, duas dessas barreiras: uma dentro e outra fora das células.
Uma equipe da Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, investigou o núcleo dos neurônios. Certos genes são capazes de identificar quando uma célula torna-se cancerosa e coordenam sua autodestruição. Os pesquisadores desconfiaram desses genes. Algum deles poderia interpretar – erroneamente – o processo de regeneração neuronal como o início de um processo tumoral. Depois de alguns testes, elegeram um suspeito: o gene PTEN.
Para confirmar a hipótese, danificaram o nervo óptico de camundongos e “desligaram” o gene PTEN das células nervosas localizadas na retina dos roedores (mais informações nesta página). A experiência deu certo: vários neurônios se regeneraram. Os camundongos não voltaram a enxergar, pois as terminações nervosas ainda não foram capazes de se conectar ao cérebro. “É o próximo passo: descobrir como essas fibras podem restituir a função perdida depois do trauma”, explica Zhigang He, co-autor da pesquisa.
Um grupo que uniu pesquisadores da mesma faculdade, da Universidade de Stanford, na Califórnia, e da empresa americana de biotecnologia Genentech preferiu estudar os fatores externos aos neurônios que poderiam impedir sua regeneração. Pelo menos três proteínas já haviam sido identificadas como responsáveis pela inibição da reconstrução das células nervosas: MAG, Nogo-A e OMgp. Elas são produzidas pelos oligodendrócitos – células que envolvem os axônios, prolongamentos dos neurônios por onde é transmitido o impulso nervoso. São substâncias importantes para o amadurecimento do sistema nervoso central.
Até agora, os cientistas conheciam apenas uma forma de contato para essas proteínas na célula: o receptor NgR. Agora, descobriram outra via de acesso: o receptor PirB. Utilizando engenharia genética e inibidores moleculares, os pesquisadores tornaram células in vitro “surdas” à ação das três proteínas. Mais uma vez, vários neurônios se regeneraram.
Francesco Langone, neurocientista e livre-docente do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que as duas descobertas são “condições necessárias, mas não suficientes” para o desenvolvimento de terapias que promovam a regeneração neuronal. “Mesmo assim, elas são muito animadoras”, aponta.
(O Estado de SP, 7/11)
Fonte: Jornal da Ciência 3637, 07 de novembro de 2008.