Falta de crédito coloca em risco segmento de biotecnologia

3 de novembro de 2008 - 11:42

Crise ameaça retardar o desenvolvimento de novos remédios e cortar empregos de alta qualificação nos Estados Unidos e na Europa

A escassez de crédito está desequilibrando a indústria mundial de biotecnologia. Muitas pequenas empresas devem pedir concordata, cancelar testes de drogas, demitir em massa ou tentar vender-se para empresas maiores no ano que vem. Isso provavelmente vai atrasar a chegada de muitos remédios ao mercado.

A indústria da biotecnologia, composta em grande parte por centenas de empresas com só um punhado de drogas em desenvolvimento em cada uma delas, já produziu alguns dos mais bem-sucedidos remédios para câncer, aids e outras doenças em anos recentes. No longo prazo, o enfraquecimento desse setor seria uma má notícia para os grandes laboratórios farmacêuticos, que cada vez mais dependem das pequenas empresas de biotecnologia para inventar produtos que eles possam adquirir e comercializar.

“Todo o modelo de negócios se foi, pelo menos por enquanto. Empresas que não têm muito caixa ou ativos para gerar caixa estão ameaçadas”, disse George A. Scangos, diretor-presidente da Exelixil Inc., uma companhia de biotecnologia da Califórnia. Esta semana, Scangos alertou analistas numa teleconferência: “Estamos num ambiente econômico diferente de qualquer coisa que já tenhamos visto. (…) Embora tenhamos um impressionante menu de drogas promissoras, também é verdade que não temos os recursos, financeiros ou humanos, para os desenvolver.”

Nos Estados Unidos, 38% das 370 pequenas empresas de biotecnologia estão operando com o equivalente a menos de um ano de caixa e quase 100 das de capital aberto têm menos de seis meses de caixa, segundo a Organização da Indústria de Biotecnologia, ou BIO, de Washington.

As maiores empresas de biotecnologia, como a Amgen Inc., a Genentech Inc. e a Gilead Sciences Inc., já viram suas ações despencar, mas têm fortes fontes de receita que devem ajudá-las a atravessar a crise. O aperto de crédito está abatendo principalmente as empresas pequenas, sejam de capital aberto ou fechado, que têm faturamento baixo e pouco dinheiro no banco.

A GlaxoSmithKline PLC informou esta semana que pode adquirir empresas menores agora que os preços estão caindo, e a Novartis AG comunicou que está observando a situação do mercado atentamente.

Investidores de capital de risco estão reduzindo seus investimentos em empresas de biotecnologia, ao mesmo tempo em que as oportunidades para aberturas de capital e financiamentos bancários escassearam. Para conseguir fundos, as companhias estão cada vez mais vendendo os potenciais fluxos futuros de receita de um remédio para fundos de investimento. É uma maneira cara de fazer caixa, e muitas companhias o usariam se tivessem a chance, dizem analistas.

“Dependemos muito dos mercados de capitais para financiar pesquisa e desenvolvimento”, diz Jim Greenwood, diretor-presidente da BIO. “Quando esses mercados estancam, há menos capital para investidores aplicarem a risco”, completa.

A Oramed Pharmaceuticals, de Jerusalém, por exemplo, precisa de US$ 25 milhões para levar adiante testes em humanos de uma insulina por via oral. Em vez de tentar vender ações numa oferta pública, ela está pedindo a grandes farmacêuticas e a investidores da Rússia, África do Sul, Coréia do Sul e Índia dinheiro em troca da maior parte da eventual receita do remédio nesses mercados caso a droga seja aprovada para venda.

Entre as empresas com problemas, a Atherogenics Inc., de Alpharetta, Estado americano da Geórgia, pediu concordata este mês depois de atrasar pagamentos de dívida em setembro. A companhia estava para lançar testes de um remédio para diabetes quando ficou sem dinheiro. Ela espera vender a droga para outra fabricante que a traga ao mercado. Em setembro, a Cytokinetics Inc., de South San Francisco, Califórnia, avisou que ia cortar 29% da força de trabalho e suspender sua pesquisa de câncer para se concentrar num remédio para parada cardíaca.

No Reino Unido, a Ardana PLC e a Phoqus Pharmaceuticals PLC entraram em administração de insolvência por falta de caixa. A Lonza Group AG, empresa suíça que faz ingredientes químicos para a indústria farmacêutica, anunciou esta semana que provavelmente não conseguirá atingir suas metas de lucro para o ano como um todo porque pequenas empresas iniciantes estão fazendo menos pedidos.

“Várias companhias vão ter muita dificuldade para sobreviver”, diz Aisling Burnand, diretor-presidente da BioIndustry, uma associação do setor no Reino Unido.

A americana Arena Pharmaceuticals Inc., de San Diego, Califórnia, tem caixa o bastante – entre US$ 160 milhões e US$ 175 milhões, aproximadamente – para finalizar estudos e dar entrada na agência de vigilância sanitária dos EUA, a FDA, de uma droga para controle de peso chamada Iorcaserin. Mas vai precisar de mais dinheiro para levá-la ao mercado, se for aprovada. “Se os mercados não cooperarem, teremos um problema”, diz o diretor-presidente Jack Lief.

Muitas companhias estão se debatendo para achar novas fontes de dinheiro. O Wellcome Trust, instituição de caridade sediada em Londres que financia pesquisa médica, viu o número de companhias de biotecnologia que o procuram dobrar nos últimos 12 meses, diz Richard Seabrook, diretor de desenvolvimento de negócios e transferência de tecnologia.

Geralmente, a instituição prefere usar seu orçamento anual de 65 milhões de libras para financiar projetos em estágios iniciais, antes de estudos em humanos. Mas ela está recebendo mais pedidos de empresas que precisam de dinheiro para os testes clínicos – verba que normalmente elas obteriam no mercado ou em parcerias com grandes farmacêuticas, diz Seabrook. (The Wall Street Journal)
(Valor Econômico, 30/10)

Fonte: Jornal da Ciência 3631, 30 de outubro de 2008.